Não lembro quem foi, nem quando foi, mas tenho certeza: alguém durante a primeira metade da década de 90 havia me dito que o tal do Castlevania para Mega Drive era um jogo ruim e chato. Claro, uma hora a gente para de dar ouvidos às opiniões alheias e começa a tomar as próprias. Mas em meados de 1994 eu ainda não fazia muito bem essa parte não, e o azar neste caso foi todo meu porque, por conta dessa boa alma de gosto duvidoso, acabei nunca alugando o game.
Acho que esse fulaninho conseguiu me deixar com medo de alugar um game de uma das minhas franquias prediletas e que eu iria considerar no mínimo épico, e olha que naquela época não precisava muito pra isso: até Castlevania 2 Simon’s Quest era um jogaço perfeito para esse fã que voz escreve. Sim, eu adorava os games da franquia, até mesmo os spin off’s tipo Kid Drácula (nossa, que jogo legal!), se bem que eu nem tinha ideia do que significava esse termo… E foi assim que nasceu o tal do Castlevania para Mega Drive: em uma época em que o aparelho da Sega mostrava um potencial surpreendente para jogos de ação cheios de efeitos especiais e um monte de coisas acontecendo ao mesmo tempo na tela, Bloodlines surgia como um Spin Off da série principal.
Tela de Título pingando sangue e Eric Lecard pronto para invadir o Castelo do Drácula
Mais precisamente falando, Castlevania Bloodlines (New Generation na Europa… que tosco!) chegava às lojas em Março de 1994, vendeu muito bem pelo mundo e angariou elogios rasgados de várias publicações especializadas da época que o colocavam como um dos melhores games não só do Mega Drive, mas da franquia Castlevania toda (que por sinal era bem menor do que é hoje em dia). Claro, menos no Brasil, onde a falta de noção fazia nossos amiguinhos queridos dizerem que o jogo era ruim e chato… Ah se eu lembrasse quem foi o maldito que me disse isso…
Mas fato é que, com 21 anos de atraso e opinião própria pra dar, vender e emprestar, vi o nome do jogo na minha lista de roms e aí pensei: “por que não?”. E joguei, e me deslumbrei, e me irritei, e esperneei, e reclamei, e vibrei, e no final de tudo, fiquei com raiva de mim mesmo por não ter jogado quando deveria, lá atrás, na época em que eu era fã incondicional da franquia. Veja bem, eu ainda adoro Castlevania. Certamente esta é uma das franquias de jogos que eu mais terminei títulos e alguns deles realmente marcaram a minha vida, mas confesso que o excesso de história, enrolação e vai e vem que os games dessa série passaram a apresentar depois que a Konami resolveu copiar o estilo de exploração da franquia Metroid aos poucos foram me deixando entediado. Cadê a dificuldade? Cadê o desafio? Cadê aquele chefe parrudo que vai te dar uma sova e te mandar pro início da fase de novo independente do tanto de palavrões que você desferiu contra ele? Juro, joguei Circle of the Moon umas 4 vezes, e todas elas eu parei de tédio. Aí vieram me dizer que Aria of Sorrow e Armony of Dissonance eram mais legais, e eu acabei jogando meia hora de cada um antes de largar ambos. Não são ruins, de jeito nenhum, são ótimos games, mas… são fáceis demais, e Castlevania pra mim não é isso, Symphony of the Night já fez o papel de jogo tão épico quanto fácil na franquia, e pra mim tá bom demais, chega! Adivinhem então se eu não adorei ver um GAME OVER na tela, logo na segunda fase de Bloodlines?
Não confunda, não sou masoquista não senhor, mas tem certas coisas que a gente sente falta, e na minha vida, Game Over é uma delas. Castlevania Bloodlines é um game difícil pra caramba, pedreira o suficiente para matar a saudade do bom e velho desafio sufocante de ver as vidas do último continue se acabando. Ao longo de suas 6 longas e belas etapas, temos que guiar dois jovens caçadores de vampiros por um mar de buracos sem fundo que se misturam a ruínas desabando, pontes quebradiças, enchentes, telas que se movem sozinhas e, obviamente, cabeças de Medusa que criam o mais perfeito sistema de pulverização de descendentes do Clã Belmont. Monstrengos por todos os lados, sub chefes chatos, Líderes enormes e quase nada pra recuperar a energia são apenas detalhes.
Os aventureiros da vez são John Morris, descendente distante dos Belmonts e atual guardião do chicote destruidor de coisa ruim Vampire Killer, e Eric Lecard, o melhor amigo de John e portador de uma poderosa lança forjada por ninguém menos que Alucard, o filho do Dentuço, para que pessoas sem o sangue dos Belmonts pudessem lutar contra seu pai. Ambos possuem diferenças significativas de jogabilidade, tanto que preferi jogar com Lecard e seu mega pulo, acionado quando se pressiona baixo + pulo, que eu achei bem mais útil que o chicote-cipó de John, acionado com pulo + chicotada na diagonal e que serve para literalmente balançar por cima de certos abismos. Cabe ao jogador decidir com qual jogar, então o jeito é testar os dois mesmo. Historicamente falando, ambos os personagens tem importância futura na franquia por iniciarem/continuarem os clãs Morris e Lecarde, mas isso daria muito papo e vai ficar pra uma outra oportunidade. Por hora, vamos considerar que no ano de 1914, uma feiticeira chamada Drolta Tzuentes planejava ressuscitar o vampirão chefe. Para ajudá-la, ela trouxe de volta das trevas a sobrinha do conde, uma vampira chamada Elizabeth Bartley, que após assassinar o rei da Áustria de modo incitar o início da Primeira Guerra Mundial, realiza um ritual macabro para recolher todas as almas dos mortos em combate. O plano é usar essas almas para ressuscitar o vampirão, e as duas vilãs partem, então, pela Europa sendo seguidas pelos caçadores.
Notaram algo de estranho, caros amigos retroaventureiros? Isso pode parecer super normal agora, mas para a época era pura originalidade: pela primeira vez o jogo não se passava inteiramente nos arredores e dentro do Castelo do Drácula, na Romênia. Em Bloodlines, a aventura se estendia à Europa toda, com passagens também pela França, Alemanha, Grécia, Itália e Inglaterra. Isso permitiu que fossem criadas etapas tematizadas em fatores específicos, como a Torre de Pisa, que obviamente é torta pro lado e no final, balança como se fosse cair com a gente dentro, ou o Santuário de Atlantis, que devido a ótima utilização da água, possibilitou a criação de etapas aquáticas lindíssimas que depois foram combinadas com cabeças de Medusa… Pausa para uma reflexão rápida: o que dizer de um programador que mistura fase de água com cabeça de Medusa? Esse cara merece algo na vida? É doente? Será que ele tem saúde hoje?
Mas tirando a parte da demência, essa variedade toda permitiu a criação de alguns dos cenários mais belos que o Mega Drive já viu. O nível dos detalhes gráficos é incomum para a época, tudo é caprichado demais, rico em cores, sombras, e os efeitos utilizados para dar vida a tudo que se vê são belíssimos! Atlantis começa apresentando um efeito de reflexo na água que é algo lindo (e que eu já havia visto antes no inesquecível Rocket Knight Adventures, da mesma Konami), a Torre de Pisa tem sprites em movimento de uma forma que eu nunca vi em console algum da época, o interior do Palácio de Versaille apresenta sombras que mudam de ângulo à medida que andamos, e isso sem contar o clássico parallax que algumas vezes aparece com absurdas 8 ou 9 camadas de fundo. Juro que na cena final, contei 11 camadas se movendo separadamente pra criar um vórtex, coisa de louco!
Trilha sonora? Só vou dizer um nome: Michiru Yamane. Não sabe quem é? Então vou dizer outro nome: Symphony of the Night. Diz a lenda que certa vez ele declarou não ter conseguido alcançar em Bloodlines a qualidade sonora que ele queria por ter trabalhado com prazos extremamente curtos. Só que a trilha é linda demais, então eu nem imagino como a coisa ficaria se ele tivesse trabalhado sem neguinho enchendo o saco dele!
Mas se o game era tão bom assim, por quê foi tido como spin off na época? Eu acho que é porque a Konami tinha uma má vontade enorme quando o assunto era Mega Drive, ou pelo menos tinha até pouco tempo antes do lançamento deste game. Era difícil ver algo da empresa no console, e quando saía, era bem meia boca… Lembra dos ports capados de Sunset Riders e Turtles in Time? O primeiro simplesmente parecia outro jogo (e bem pior), e o outro foi tão capado que até mudou de nome pra ficar menos feio (Virou Hyperstone Heist), e a impressão que isso deixou era de que a Konami tinha receio de caprichar no jogo e depois, vê-lo fracassar no Megão. Só após os lançamentos do exclusivo Rocket Knight Adventures e do estupendo Tiny Toon Adventures: Buster’s Hidden Treasure é que a empresa começou a se soltar mais com a plataforma, e Bloodlines foi aquele 2º jogo exclusivo de lançamento ainda tímido e receoso. Assim, se não fizesse sucesso, era só um Spin Off mesmo…
Hoje ele é adorado pelos amantes do console da Sega, que o consideram como um dos melhores títulos do aparelho, e acertadamente, o título passou a ser reconhecido como parte legítima e integrante da história principal, antecedendo os acontecimentos do jogo Castlevania Portrait of Ruin para Nintendo DS, protagonizado pelo filho de John, Jonathan Morris.
Juro que tentei entender para que servia o Password neste jogo… e cheguei à conclusão de que para a época, ele só servia mesmo pra gente poder desligar o videogame na hora da novela da mãe ou do bang bang do velho, isso se eles tivessem paciência de deixar a gente chegar no final da fase pra poder anotar… Entendam: o jogo nos dá 2 continues, mas tem password… então pra quê os continues? Só pra gente ter o trabalho de por um monte de figurinhas e símbolos em quadradinhos específicos sempre que os 2 míseros continues se acabarem? Por quê não continues infinitos? Vai entender… De qualquer maneira, fiz bom uso do sistema: o password grava o seu atual número de vidas e continues, então se você conseguir passar a fase morrendo pouco, pode valer a pena anotar. No final das contas, após ter chegado duas vezes na última fase com um pé na cova e o outro quase dentro, consegui anotar um ótimo password para ela com 2 vidas sobrando e os 2 continues intactos, isso após 4 dias de jogatina jogando umas 3 horas por dia. Levei mais 1 hora e meia pra vencer a fase e terminar o jogo, o que somando tudo, deu um total de 13 horas e meia de jogo. Gente, o game é difícil sim, mas a fórmula é a de sempre: jogar até o Game Over, e então, sempre recomeçar do início, coisa que ninguém faz e põe a culpa na falta de tempo… Acontece que a cada partida, nossas habilidades melhoram, e acabamos indo sempre mais longe. Fatalmente terminamos o jogo em no máximo umas 12 ou 13 horas, que é a duração média de um game genérico atual. Então por que diabos o tempo é inimigo para um jogo antigo, e amigão do peito para um jogo novo de mesma duração? Eu poderia usar como comparação o Castlevania Lords of Shadow, que eu levei 35 horas pra terminar, mas vou usar um outro game bem mais curto, The last of Us, que eu joguei no Hard e com dicas desligadas: levei as mesmas 13 horas e meia pra fechar.
Bem, eu acho que isso acontece porque o jogo antigo te desafia de verdade, e os jogadores de hoje não tem lá muita perseverança pra testar seus limites. Que seja, eu continuo gostando DEMAIS de passar nervoso pra terminar um game difícil, pois no final, o sabor da vitória é docinho, docinho!
Detalhe: terminei os dos dois jogos que eu citei aí em cima uma vez só, e não tenho mais a menor vontade de jogar nenhum deles. Já Castlevania Bloodlines? Esse eu ainda vou jogar muito, pois tenho mais 3 finais pra fazer: o final normal do John, e depois, os finais de ambos os heróis jogando no Expert. Sim, antigamente jogar no modo mais difícil te diferenciava dos simples mortais. Já hoje…
Fim
O slogan do antigo RetroPlayers ainda vale pra mim: “também to morto mas tô aí!”
E muito bem acompanhado =)