Sabe aquela época saudosa, que deixamos para trás hà um tempão, onde a ausência das responsabilidades cotidianas nos permitia ter uma baita paciência para repetir à exaustão fases dificílimas lotadas de buracos sem fundo e inimigos vindo a torto e a direito, aquela saudosa época em que a gente ainda por cima se divertia enquanto aquele jogo marrento nos estrepava? Foi durante essa parte da minha vida que conheci uma garota chamada Dahna, e ainda bem que foi nesta época… Haja paciência!
Eram tempos em que eu ia até a game locadora e alugava 3 ou 4 jogos por final de semana, mas para que essa prática pudesse acontecer, uma regrinha básica tinha sempre de ser obedecida: “alugarás na sexta!”. Desobedeceu esta regra, era batata: não haveriam boas opções de jogos para serem alugados. E obviamente, quanto mais a gente demorava, mais a situação se agravava, e o jeito acabava sendo mesmo pegar qualquer jogo repetido só para ter o que jogar ou arriscar a sorte naquele título japa sem referências e totalmente desconhecido que nenhum amigo havia jogado antes para lhe dizer se prestava, e que poderia acabar se mostrando uma bela duma cilada.
Pois bem, naquela tarde de sábado eu já havia desobedecido a regrinha em umas 16 horas… Adivinhem só então como estavam fartas as duas prateleiras de caixinhas de Mega Drive. E olha que a locadora tinha MUITO cartucho: em toda minha vida de jogador de aluguel (essa foi boa heim), eu jamais vi sequer um único outro estabelecimento que possuísse uma quantidade tão grande de cartuchos para o console negro da Sega disponíveis para locação. Mesmo assim, naquele fatídico dia eu olhava para as caixinhas e não via nada que eu pudesse alugar que eu já não tivesse alugado antes várias vezes. Mas nós, jogadores das antigas ex-frequentadores de game locadoras, sabemos que estas são as horas em que a gente acaba ou passando raiva, ou descobrindo algo bem legal e inusitado… Apostei nisso, e me dei bem!
O procedimento padrão foi adotado: sair olhando as caixinhas pra ver se alguma coisa desconhecida chamava a atenção. Já havia dado certo com Valis III, Alisia Dragoon, Magical Taruuto Kun… por que não daria certo novamente? E isso era uma coisa que eu gostava de fazer: a arte das caixinhas, principalmente das Japas, era algo que me fascinava! Até hoje, em tempos de encartes sem vida criados com imagens do próprio jogo, eu me surpreendo com a beleza da arte feita à mão das caixinhas antigas. Assim, pela quinta ou sexta vez desde o dia em que a locadora abriu as portas, eu me peguei novamente admirando aquela arte linda que trazia uma moça de cabelos loiros esvoaçantes montada nas costas de um ogrão cego de um olho com cara de poucos amigos. Era o típico encarte sem padrão de jogo japa, sem informações, que ninguém sabia nada a respeito, e com o agravante do cartucho ser original, ou seja, daqueles arredondados que não encaixavam em qualquer Mega Drive.
Resolvi arriscar, já que meu Mega era japonês e eu estava sem opções… Pelo menos encaixar e funcionar o game iria! Engraçado é que todas as vezes que eu olhei para aquele título logo acima da imagem da loira, escrito em letras enormes e vibrantes, eu li DAKNA… Até o rapaz que trabalhava naquele turno lia Dakna, na fichinha veio escrito Dakna, e eu joguei o game incansavelmente naquele resto de final de semana sem saber que mais tarde, teria sérias dores de cabeça na hora de encontrar novamente o tal jogo da amazona loira.
Acontece, caro amigo retroaventureiro, que o nome real do game é Dahna Megami Tanjou (algo como Dahna: o Nascimento da Deusa), foi concebido em 1991 pelas mãos de uma softhouse desconhecida chamada IGS, nunca foi oficialmente lançado fora do Japão, foi preciso eu me deparar por total acaso na internet com uma foto do jogo para que eu me lembrasse de sua existência, e eu só fiquei sabendo que o nome dele não era o que eu pensava depois disso, em uma conversa pelo skype com os amigos! Automaticamente entendi o motivo de eu nunca mais ter conseguido encontrar aquele game em local algum… Por mais que eu procurasse em outras locadoras ou perguntasse dele eu nunca o achava e ninguém o conhecia! Também… eu sempre disse o nome dele errado… Santa miopia!
Pois bem, agora esclarecido da minha confusão literária, resolvi jogar novamente o game da bela amazona loira para relembrar os momentos de amor e ódio que a aventura havia me proporcionado naquele passado distante. Em minhas vagas lembranças, Dahna Megami Tanjou havia me dado um trabalho do cão para ser finalizado, pois era um jogo cheio de chefes marrentos e buracos sem fundo aparecendo a torto e a direito em meio a etapas muito variadas e originais… Então aprontei meu emulador, mandei a imagem para a minha LCD com aquele filtro básico e algumas scanlines pra deixar a tela bem parecida com a das TVs de tubo, comecei a jogar e… era isso mesmo: Dahna continuava sendo aquele belo e difícil jogo que me encantou no passado.
Não é segredo pra ninguém que eu tenho uma queda por heroínas de jogos de videogame. A lista é grande, e nela estão garotas como Yuko (Valis), Alisia (Alisia Dragoon), Madison e Cristal (Trouble Shooter), Annet (El Viento), e é claro, a minha preferida de todas, Blaze Fielding (Streets of Rage). Dahna Megami Tanjou ajudou demais para que esse gosto despertasse em mim, pois além de ser protagonizado por uma loira espadachim aspirante a Deusa, o game é daqueles que tem um ar de aventura épica, onde algo sempre está acontecendo para que o cenário à nossa volta mude: população fugindo, fogo se espalhando, avalanches, terremotos… Era normal estarmos andando em solo firme e de repente, o chão começava a tremer e o caminho desabava em precipícios enquanto a loira saltitava balançando sua espada para evitar inimigos que queriam derrubá-la nas valas. Essa variedade ocorria durante o game todo e das formas mais originais, com gráficos e animações muito bem detalhados para a época. Alguns momentos se tornam marcantes, quase inesquecíveis para quem joga, como o vôo nas costas do Grifo cuspidor de fogo, ou a frenética descida à cavalo pela encosta de uma montanha lotada de inimigos, e estas variações são abundantes durante o game todo. Isso enriquece demais a jogabilidade do título e o diferencia de um simples plataforma linear onde o protagonista só ataca e pula… Aqui não, Dahna pode fazer muitas coisas de maneira bem simples e intuitiva, e talvez por isso eu tenha gostado tanto desta heroína.
Algumas batalhas contra chefes são igualmente épicas e inesquecíveis, como a luta contra o cara de 4 braços no topo da torre pegando fogo, ô carinha persistente! Quando o vi novamente depois de tanto tempo até me deu um calafrio na espinha: o maldito ataca como um louco e são 4 espadas para Dahna se preocupar! E depois da batalha toda e alguns braços a menos, o safado ainda foge antes que a amazona possa lhe aplicar o golpe de misericórdia. No geral, os chefes são difíceis até o ponto em que aprendemos como vencê-los, e isso varia muito de jogador para jogador. Na época, o verdadeiro cacete que eu levei das difíceis fases do jogo e alguns chefes foi suficiente para que eu tivesse que repetir o jogo inteiro desde o início uma porrada de vezes!
Pois é, esse era o maior problema de Dahna Megami Tanjou: a dificuldade. Não bastava o game ser difícil de nascença e cheio de situações ardilosas (mas decoráveis) feitas com o único objetivo de ferrar com sua energia… Tinham que piorar mais ainda a situação: a amazona só tinha uma única vida (morreu, Game Over), apenas 5 continues, e quase todas as fases do game eram lotadas de buracos sem fundo devoradores de heroínas loiras! Ao nosso favor, só um marcador invisível de experiência que a cada tantos inimigos derrotados aumentava o tamanho do contador de energia da garota, e uma barra de mana que permitia à Dahna conjurar magias de ataque e defesa, mas sem a possibilidade de escolha: são 3 níveis de poder, e a barra enche à medida que Dahna recolhe itens pelo cenário que caem de inimigos derrotados. Apertou o botão de magia, ela solta a de nível correspondente ao tanto de mana que tem na barra. Ajudar, ajuda e muito, mas seria bem melhor poder escolher.
O legal é que, jogando novamente depois de tantos anos, eu não tive a mesma dificuldade de antes para terminá-lo, e isso é algo que raramente acontece comigo. Na adolescência eu só terminei mesmo esse game devido a minha paciência nível Buda, e não teria como ser de outro jeito tamanha quantidade de locais, armadilhas e eventos onde a heroína pode morrer subitamente (quase sempre vítima de um maldito buraco destruidor de continues). Jogando hoje, o negócio permaneceu muito difícil, mas não me foi necessário repetir o game (que por sinal é bem curto) desde o início por dois dias inteiros. Experiência? Provavelmente… Na falta de reflexos, alguma coisa tinha que melhorar né!
O que não deu pra melhorar foi o entendimento da trama… Todo em japonês, era só pauzinho pra todo lodo em meio ao monte de cutcenes em anime que recheiam as entre fases do game contando uma história que só deu pra entender (e mais ou menos) depois de fazer algumas pesquisas na internet: Dahna e Regine são duas irmãs predestinadas que nasceram com poderes mágicos elementais inexplicáveis, e que foram separadas no dia em que Dahna fazia 17 anos, quando seus pais foram mortos e seu vilarejo completamente destruído por entidades do submundo das trevas escuras da escuridão sem luz que cobiçavam o poder das moçoilas. Regine é raptada, mas Dahna consegue escapar, se refugiando em outro vilarejo onde passou 10 anos sendo treinada por um velho mago que sabia que no futuro, os mesmos seres voltariam para buscá-la. E eles voltam, atacam a vila, vencem o mago, e o sequestram. Começa então a odisseia da loira, e ai vocês, caros amigos retroaventureiros, podem esperar encontros, desencontros, surpresas, tramoias, e tudo mais que um belo enredo japonês de jogos com heroínas no comando tem a oferecer!
Aliás, acho que é isso que eu gosto tanto nos jogos de aventura com heroínas: suas histórias de superação, vingança, fé, que eram sempre muito mais sérios e bem feitos que a grande maioria dos games de plataforma com cuecas no comando das ações!!! Nos games antigos, heroína no comando definitivamente quer dizer mais cérebro e menos músculo!
Dahna Megami Tanjou é um game que beira o muito bom. Desconhecido pela maioria por nunca ter sido lançado no ocidente, injustiçado por sua dificuldade elevada por parte da crítica e jogadores que o conheceram, mas que sem dúvida, possui boas qualidades. Tecnicamente não fazia feio, pois foi um título que nasceu em uma época que antecedeu o enorme e necessário salto de qualidade gráfica e sonora que os games de Mega Drive passaram a apresentar após 1992 com a chegada definitiva do Super Nintendo ao mercado. Talvez se ele tivesse um marcador de vidas e algumas delas escondidas pelo cenário para serem encontradas, ou melhor ainda, se ele tivesse sido desenvolvido um pouco mais pra frente de modo a aproveitar melhor o potencial gráfico do console, o game da loira espadachim hoje não seria um grande clássico sujeito a continuações e uma leva de fãs? Infelizmente não foi o caso, mas ainda assim, vale muito a pena se estrepar um pouco enquanto guiamos a bela Dahna pelos caminhos tortuosos de seu mundo apocalíptico.
Fim
O slogan do antigo RetroPlayers ainda vale pra mim: “também to morto mas tô aí!”
E muito bem acompanhado =)