Um dia, uma empresa recém nascida chamada Treasure lançou um tal de Gunstar Heroes para o Mega Drive. Noutro dia, o game já era considerado uma das maiores obras digitais que os videogames já haviam visto. Agora, neste dia que vos chega, quando o seu site preferido de velharias gamers está prestes a completar valorosos 3 anos de vida cheios de muita dedicação e satisfação por estarmos conseguindo cumprir aquele nosso objetivo de manter viva a memória dos retrojogos, o fatídico game é homenageado como sendo um dos grandes preferidos de nossos leitores. Nada mais justo!
Confesso que eu não esperava ver Gunstar Heroes dentre os games mais votados da campanha que realizamos para este especial de aniversário. Eu poderia jurar que títulos da linha Final Fantasy, Mario e demais blockbusters dominariam as escolhas e até me preparava psicologicamente para a situação quando me surpreendi com o Run and Gun da Treasure liderando as votações. Achei ótimo por vários motivos, mas só preciso citar dois deles: o primeiro é que eu simplesmente adoro esse game, tanto que devo ter sido disparado o cara que mais o alugou na locadora do bairro e falar dele é sempre um enorme prazer. O segundo, é que eu simplesmente já tinha um texto pronto, enorme, detalhado e com todas as informações possíveis e cabíveis a este grande título!
Mas Tio Sabat, você já tinha um review pronto dessa maravilha e estava escondendo o jogo? Por que não o postou antes? Tá tão bom que você resolveu guardá-lo para si próprio? Por que aquele computador idiota disse que a resposta para a Questão Fundamental da Vida, o Universo e Tudo mais, é 42??
Calma, caros padawans, vou lhes contar uma história que será bem esclarecedora e informativa, mas que vai ser longa pra caramba! O Review também vai ser Long Dong e vocês só vão saber o porquê se lerem tudo, mas se estes detalhes não forem importantes, então vão lá pra baixo, onde começa o RetroReview Especial de Aniversário #1 – Gunstar Heroes.
Já foi?
Não?
Decidiu ler tudo, caro amigo retroaventureiro? Então, seja bem vindo ao estágio bônus:
Parte 1 – Histórias Gamísticas do Sabat: o Retro player e a Retro revista
Há um bom tempo, consegui algo que muita gente sonhava em fazer quando criança. Eu mesmo tinha esse desejo, todo aquele que comprava as revistas de games da época tinham esse desejo, e era por isso que nós possuíamos aqueles caderninhos cheios de anotações, detonados, notas e demais rabiscos referentes aos jogos eletrônicos que passavam por nossos consoles. Nós sonhávamos em ganhar a vida com jogos, trabalhar detonando games, queríamos viver só de escrever sobre eles nas revistas. Um sonho infantil, que pouca gente efetivamente conseguiu alcançar.
Quanto tempo se passou? Muito tempo, tanto que meu site de games já faz esse serviço com a pequena diferença de que eu não ganho um tostão furado pelo trampo todo. O que eu ganho é nada mais que satisfação pessoal pelo reconhecimento de quem lê o que eu escrevo, e isso pra mim, já é motivo suficiente para nunca abandonar essa prática. Mas mesmo assim, talvez ajudado por este mesmo reconhecimento do pessoal frequentador do Retroplayers, consegui a façanha de ser convidado a escrever um texto para a sempre atrasada Revista Old!Gamer, a única publicação nacional impressa sobre games antigos que existe, e para vocês terem uma noção do tempo que já se passou, naquele momento ainda não havia sido lançada a edição 3 da mesma! Não acho ético da minha parte entrar no mérito de como foi que eu consegui o convite, pois é óbvio que eles não me notariam se eu não me mostrasse a eles, e eu tive sim que correr atrás das possibilidades, né? E em meio a essa correria, consegui que eles prontamente aceitassem para avaliação, um texto sobre este que é um dos grandes jogos de minha vida, Gunstar Heroes, ao qual eu teria o prazo de 2 meses para entregar.
15 dias depois, o texto estava pronto.
Claro que eu tinha certeza de que, apesar de todo o conhecimento que eu possuía sobre o título e de toda a pesquisa que realizei, o texto ainda precisaria passar por uma bela recauchutagem, pois eu nunca havia escrito nada de forma profissional antes, e foi o que aconteceu. Logo de cara, o meu contato na revista, nada mais que o redator chefe da mesma, o Humberto Martinez, me pediu para que eu resumisse o negócio, pois estava absurdamente grande!
Fim das expectativas de ter o texto na edição 3… Bóra resumir o negócio, 5 dias depois, a versão 2.0 estava pronta, com quase 10 mil caracteres a menos e o mínimo de informação retirada neste processo. Fui ovacionado, o Humberto me disse que o texto agora estava ótimo e que sairia na edição 4, mas os meses se passaram e… nada. Mas os contatos continuaram, o Humberto me pediu um texto sobre os games da franquia Zelda para o Philiphs CDI e eu prontamente o entreguei, sendo novamente ovacionado por ter criado um texto que ele dizia estar excelente.
Caros amigos retroaventureiros, a edição nº 4 da revista saiu em Outubro de 2010, e só em Janeiro de 2012 é que o meu texto sobre os games Zelda para Philiphs CDI foi publicado, já estávamos na edição nº 7. Muita emoção por ter um texto de minha autoria publicado em uma revista! Para quem nunca sentiu isso, saiba que a sensação é deliciosa! Mas algo me irritou, um fator que abalou o meu relacionamento com o redator chefe, algo que eu considerei extremamente anti ético e que não foi me avisado com antecedência: o texto estava modificado.
Eu me enervei, deveriam ter me mostrado aquilo antes de me mandarem o contrato, que eu assinei sem ter a menor ideia de que ainda mexeriam no texto. Fui seco, e a resposta que obtive foi mais ainda: “Não tem essa de mostrar nada nem de pedir autorização para modificar o texto. É assim que trabalhamos”. Em outras palavras, ou é do nosso jeito, ou vá “blogar”. Sim, ele demonstrou um certo preconceito com blogueiros… em determinado momento da discussão, eu escrevi errado uma palavra, e o Humberto me corrigiu como quem quisesse passar a ideia de que “eu sou um blogueiro que não sabe nem escrever direito e ainda quer reclamar”. O pior é que eu concordo, eu não sei escrever direito mesmo, eu sempre erro coisas triviais por ai, dependo de corretores ortográficos e sou até bem zoado por isso… Bem, em fim… Humildade vem do berço, nem todo mundo tem, e outros tem mas as vezes se esquecem dela e cometem deslizes. Acredito que este foi o caso: apenas um deslize.
Já estava trabalhando em um terceiro texto quando questionei novamente os motivos de Gunstar Heroes não ser nunca publicado. A resposta me assustou de novo: o Humberto me pediu para que eu novamente resumisse texto! A alegação era a mesma de antes: ainda estava grande demais, incompatível com os padrões de textos para revistas. Tudo bem, vamos fazer o resumo do resumo, e Gunstar Heroes vs 3.0 Light Edition foi entregue, sem absolutamente nenhuma divagação, sem a mínima enrolação, um texto sempre direto ao ponto, mas que ainda assim, conseguia passar o meu estilo de escrita. O redator chefe disse-me novamente que o texto estava ótimo, que agora sim eu havia alcançado o que ele queria e que seria lançado em breve, mas os meses se passavam e nada de contrato pra assinar.
Minha famosa e inabalável paciência chegava ao limite, e a gota d’água que faltava para que finalmente ela desmoronasse, veio quando por acaso, o editor me pediu para conseguir algumas imagens pra serem colocadas no 3º texto que já estava pronto, já entregue, e já aprovado. A princípio, seria um texto humorístico, e quando o redator o recebeu, disse que estava muito engraçado, bem do jeito que ele queria, e tudo mais, o de sempre. Ele me mandou um endereço de um drive online para que eu colocasse as imagens e, sem querer, por engano, sei lá, uma cópia do texto EDITADO POR ELES NOVAMENTE SEM QUALQUER AVISO PRÉVIO OU AUTORIZAÇÃO estava lá, e o pior, desta vez porcamente editado, sumariamente cortado, com todas as piadas deletadas, um texto morto, sem pé nem cabeça e muito menos razão para existir, algo sem a menor graça e que eu definitivamente NUNCA escreveria, um texto que fugia totalmente da proposta inicial que havíamos acertado.
Ainda tive que escutar depois, obviamente, ele me dizer que o texto estava sem graça… Mas como pode? O amigo muda de opinião mais que comentarista de arbitragem da Globo! Eu fiquei tão enfezado que mandei o texto original para vários amigos, e todos sem exceção acharam tudo legal demais. Pedi opiniões SÉRIAS E PROFISSIONAIS para amigos que prestam serviço na área da escrita informativa, e sem exceções, todos disseram que do jeito que estava, era só publicar, não havia o que mexer! Depois, mandei a eles o texto editado, e após a leitura, me responderam dizendo que parecia que alguém que não sabia da proposta humorística do texto, havia pego o bondinho andando e cagado geral na obra.
Percebi então que algo estava errado, e não era comigo. Peguei meus textinhos, coloquei dentro da trouxinha, joguei nas costas junto daquela espada de duas mãos velha e surrada, e disse adeus a Old!Gamer, mas não sem antes ouvir um sonoro “por sua causa a gente vai ter um buraco na edição 8”. Eu mereço…
Este foi o fim da minha curta estadia como colaborador da única revista impressa de games antigos do Brasil, mas não é algo que eu vá lamentar. No final das contas, a experiência adquirida valeu muito.
Se eu me arrependo? Acredito que quando escrevemos algo, colocamos ali a nossa maneira de se expressar, a nossa identidade, e muitas vezes, isso é algo único, como uma impressão digital. E sim, minha impressão digital vale mais do que algumas onças a cada 4 ou 5 meses. Se for pra sair um um texto assinado por mim em qualquer lugar, que saia de graça, mas que seja MEU.
Se eu guardo rancor? Eu não guardo rancor nem do Solo Player, vulgo gardenal, que saiu da minha equipe e me detonou logo no primeiro tópico do seu finado blog! Um abraço pra você, meu caro doido! Ainda vamos tomar umas cervejas quando eu for pra Minas! (isso ainda vai virar outra história gamística)
Reflexão
Caros amigos retroaventureiros, em tempos em que uma cacetada de apresentadores de jornais e programas de noticiário nada mais são do que atores fingindo ser repórteres experientes com anos e anos de função; em tempos em que qualquer zé mané expõe uma opinião sem pé nem cabeça nem base nos twitters e facebooks da vida e milhões de pessoas dão crédito àquilo quando deveriam estar se ocupando com algo menos fútil ou lendo um bom livro sem vampiros afeminados no conteúdo; em tempos em que a informação mais valiosa dos veículos de comunicação não passa de um amontoado de tragédias apresentadas por pessoas que fingem indignação, pena, ódio, mas que, na verdade, só estão representando um papel; em tempos em que quanto mais babaca, idiota e imbecil é o comediante, mais famoso e legal ele é, infelizmente se torna absolutamente normal que as pessoas que realmente mereçam estar nos cargos à frente da informação, queiram de alguma maneira se defender, queiram mostrar que são diferenciados, e que merecem serem reconhecidos como tal.
Resta a nós, blogueiros que algum completo imbecil da política permitiu que pudéssemos nos intitular como jornalistas, estudarmos para tal, para que possamos realmente sermos profissionais no ramo da informação. Não tenho a menor dúvida de que muita gente do meio digital informal possui competência muito maior do que uma cambada enorme de pessoas formadas que trabalham em jornais, revistas e afins, mas também não tenho dúvida de que muita gente, não a maioria, mas muita gente, merece estar onde estão, e apesar de tudo, eu creio que o Humberto Martinez é um desses caras. Se a única revista de games antigos do Brasil existe, e se ela vai de boa a impecável em sua produção, é por causa dele, e isso, caros amigos, é algo que eu conheço pelo nome de competência. Eu só tenho a agradecer pela chance que tive, e pelo meu pequeno, porém gratificante textinho imortalizado nas páginas da Old! nº 07, aquela mesma da matéria enorme sobre arcades de futebol que ninguém jogou no Brasil.
Fim da Parte 1
É pessoal, o que acharam da história? Interessante para qualquer um que possua um blog, que tenha crescido lendo revistas, ou que um dia tenha sonhado em escrever para alguma delas? Eu espero que sim, e se vocês acharam isso também, então meu objetivo está alcançado.
Agora me resta liberar para vocês, na íntegra, sem cortes, e com algumas alterações (pois algumas passagens eu escrevi bem melhor nas edições) a primeira versão da matéria que eu havia preparado para a revista supra citada, e preciso lhes informar com antecedência que este será, então, um texto com um formato um pouco diferente do que de costume, cheio de subtítulos e quadros com informações relevantes a este fantástico jogo que, originalmente, ficariam espalhados pela revista. Espero que todos gostem, e boa leitura!
Parte 2 – RetroReview Especial de 3º Aniversário #01 – Gunstar Heroes
Caros amigos retroaventureiros, sabem como eu imaginava este texto saindo em uma revista? Algo mais ou menos assim:
Sonhar é de graça né! Já pensou se nós tivéssemos apoio financeiro pra isso? Seria show demais!
O retroaventureiro compraria por uma merreca, veria um monte de páginas retratando a boa e velha época em que comprávamos revistas aos montes, cheias de propagandas de clones de consoles pra cá e pra lá em meio as matérias, só que o conteúdo seria diferente… Tipo uma mescla do amadorismo do passado com a nostalgia do presente.
E você iria virando as páginas da revista, e a matéria de capa começaria assim:
Senhores mostrem suas armas!
É fato, a guerra faz parte da natureza humana. Desde a mais longínqua época possível de ser relatada, é sabido que o homem prefere resolver suas diferenças na base do tapa, e independentemente de onde e quais foram estas diferenças, o instinto de rivalidade sempre deu um jeito de colocar a humanidade em conflito pelas mais variadas causas, banais na maioria das vezes, em outras nem tanto.
Nós certamente já presenciamos em nossas vidas um punhado delas, mundiais como a guerra ao Nazismo, regionais como os embates armados do Iraque, ou sociais como a guerra contra doenças e fome, mas uma dentre muitas se destaca por ser uma categoria de guerra, digamos, menos sangrenta e triste, e em uma de suas edições, várias foram as ocasiões em que nós, ainda jovens adolescentes da década de 90 cheios de energia e com os hormônios vazando aos montes pelos poros, tivemos para por em prática o nosso crescente censo de rivalidade: a guerra virtual que se deu entre a Nintendo e a Sega.
Aquele que foi certamente o maior pega pa capá que a indústria gamística presenciou em toda a sua história, apresentava de um lado os donos daquele console negro que havia chegado estrategicamente primeiro ao mercado, cheio de belas conversões de games originais de arcades famosos e muito apelo rebelde, e do outro lado, o poderoso sucessor daquele que era, até então, o console líder absoluto e inalcançável do mercado mundial de games.
Todos sabem a que eu me refiro? Ótimo, posso dizer então que eu era nesta época, um feliz dono de um Mega Drive japonês, comprado em meados de 1991 com o dinheirinho suado que eu ganhava ao exercer a extinta profissão de Office Boy. Poucos meses depois, o Super Nintendo começava a aparecer nas páginas das revistas de videogame, e em menos de um ano, Nintendo e Sega já trocavam bofetões e disputavam acirradamente a preferência dos jogadores da época. E como veterano de guerra posso garantir: nem só de Mario e Sonic viviam os jogadores combatentes daquela geração!
Tiros, tiros e mais tiros
Nintendo e Sega, duas empresas que se tornaram eternas rivais após a disputa doentia pela ponta do mercado que se deu na geração de 16 bits, ou pelo menos, era o que se pensava até não muito tempo atrás. O embate histórico é algo digno de ser retratado em uma matéria especial só para ele, uma batalha verbal de proporções épicas que dividia os jogadores em dois mundos distintos, defendendo com unhas e dentes os seus consoles preferidos como se disso dependesse a mesada no fim do mês. E não podemos negar: a melhor parte de tudo isso era mesmo poder defender o nosso console preferido, jogando no meio da cara do rival, a deficiência ou a total falta de um determinado estilo de jogo no seu console, coisa que geralmente vinha acompanhada daquela gozação monstruosa.
É claro, Super Mario e Sonic the Hedgehog eram os grandes protagonistas da histórica peleja, liderando discussões exaltadas em toda a parte do globo terrestre, mas pulos, exploração e velocidade à parte, outros estilos de jogos também contribuíam, e muito, para a glória ou a humilhação momentânea que se dava no ato das discussões, e em especial, um gênero muito conhecido e adorado pela grande maioria dos jogadores mundiais era extremamente raro no console da Sega: o Run ‘n Gun. Nunca ouviu falar? Então basta apenas que você se lembre de um nome: Contra.
Nos Shmups você detona o que aparecer na tela com sua nave, avião ou qualquer coisa que consiga atirar enquanto voa; nos Run ‘n Guns você faz a mesma coisa, só que em terra firme e geralmente a pé! A série Contra é uma das grandes representantes deste gênero, que se tornou muito popular no console 8 bits da Nintendo e nos fliperamas da época, com jogos como Gerilla War, Jackal, Gunsmoke e mais recentemente, a amada e divertida série Metal Slug.
O gênero Run ‘n Gun era divertido, popular e viciante, e ainda hoje cultiva adeptos saudosos pelo mundo que se recusam a esquecer das horas maravilhosas de desespero e conquista frente às máquinas de fliperama engolidoras de fichas daquela época de ouro. Mas durante toda a primeira metade da quarta geração de videogames, ao qual pertenciam os consoles de 16bits da Sega e Nintendo, se o assunto fosse Correr e Atirar, se tornava dura a vida dos jogadores de Mega Drive. A simples citação do nome Contra 3 por parte dos rivais, causava sofrimento e dúvida no coração dos jovens defensores do console da Sega… Era como estar no último round da luta e levar um direto no queixo, a língua travava e as palavras sumiam. O Mega Drive tinha Shmups a dar com pau, alguns excelentes, inesquecíveis, mas lembrar de um único Run ’n Gun para o console que não fosse a adaptação capenga do clássico dos arcades Sunset Riders era tarefa muito difícil, e não existia nele praticamente nada que se quer, chegasse perto de ser parecido com o clássico que era Contra 3: The Aliens War, desenvolvido pela até então “mestra dos tiros”, a Konami, para Super Nintendo. Se levarmos em consideração a data de lançamento deste game, posso dizer então que esta situação desesperadora perdurou por quase dois anos, quando finalmente, a Sega viu surgir aquela bendita Luz no fim do túnel. A boa notícia foi que desta vez, a tal da luz era brilhante pra caramba e tinha até cheiro, o cheiro da própria Konami.
Konami e seu Tesouro perdido
Se você é ou era fã de jogos de ação frenética, daqueles cheios de inimigos e projéteis se espalhando pela tela enquanto seu pequeno personagem, nave, avião ou demais objetos cabíveis tentava se esquivar de tudo enquanto contra atacava com aquela saraivada maior ainda de tiros, esteja ciente então de que boa parte da sua gratidão deve ser destinada a tal da Konami, pois é dela uma considerável parcela dos jogos deste estilo que você jogou nos fliperamas e consoles caseiros do passado. A competência da empresa tornou-se notável com o aparecimento de seus primeiros arcades de sucesso, no início da década de 80, e desde então, a softhouse nipônica figura firme e forte como uma das principais desenvolvedoras de jogos que existe.
Sabe-se que a Konami nunca foi de se preocupar muito com a divulgação de seus estúdios subsidiários, sendo a única exceção à regra, a Ultra Games, subsidiária americana que não desenvolvia nada: apenas traduzia e publicava games japoneses da empresa no ocidente além de servir para burlar o esquema de cotas da Nintendo. Mas eles existiam, e analisando a história da empresa, é muito difícil definir dentro destes grupos, equipes em que vários ou todos os integrantes eram os mesmos em mais de um game, o que leva a crer que o desenvolvimento dos jogos se dava por meio da disponibilidade dos profissionais dentro dos cronogramas da empresa, que visava, na época dos 8 e 16 bits, lançar sempre um número por volta de 10 títulos anuais. Mas ouve um game, lançado pela Konami em 1992 para NES, que reuniu uma equipe peculiar de profissionais do ramo de desenvolvimento de jogos, pessoas que já haviam trabalhado anteriormente ou que estavam, na época, envolvidos no desenvolvimento de títulos como Axelay, Rocket Knight Adventures, Castlevania 4, e The Simpsons para Arcade entre outros. O tal jogo responde pelo nome de Bucky O’Hare, a adaptação para o mundo virtual de uma série de desenhos animados (baseada em um gibi da época) que fez relativo sucesso no início da década de 90. A equipe de produção de Bucky O’Hare era liderada por um tal de Masato Maegawa, que dizem as más línguas, não se sentiu satisfeito com algumas decisões da Konami após o término do trabalho em Buck O’Hare, dentre elas, a de que ele deveria comandar esta mesma equipe no desenvolvimento de um quinto jogo da série Castlevania a ser lançado para Super Nintendo. Por motivos misteriosos, essa ordem desagradou não só a Maegawa, mas a quase todos os envolvidos. Não é preciso dizer que este tal quinto jogo da franquia Castlevania obviamente nunca foi lançado, pois Maegawa preferiu pegar suas coisinhas e cair fora da empresa, levando junto quase toda a equipe que ele havia comandado ao desenvolver o jogo do coelho alienígena verde.
Poucos meses depois ele fundava uma pequena softhouse, que continua diminuta até hoje e que, geralmente, trabalha com franquias licenciadas de outras fabricantes, porém, uma empresa gigante em carisma e qualidade, mãe de jogos lendários como Ikaruga e Radiant Silvergun, famosa pelos chefes de fase gigantescos e por extrapolar em seus games, os limites de potência dos consoles para o qual eles são desenvolvidos, a cultuada Treasure. Pouco mais de um ano depois, ela apresentava ao mundo o seu cartão de visitas: um Run’n Gun como nunca havia se visto. Era frenético, lindo, extraordinariamente divertido, e o detalhe maior: era exclusivo do Mega Drive. Finalmente terminava o sofrimento daqueles que tanto ansiavam por algo que pudesse fazer frente ao Run’n Gun do console concorrente, e tinha início uma parceria que se estenderia por gerações de consoles da Sega.
Corra e Atire no Mega Drive
Gunstar Heroes era lançado em Setembro de 1993 no Japão sem nenhuma festa, fogos ou maiores alardes por parte da mídia especializada, mas à medida que o game ia sendo comercializado, os boatos de que havia surgido um jogo fantástico para o Mega Drive, capas de bater de frente com Contra III: The Alien Wars, iam se espalhando mais rápido que fofoca em novela da Globo, e pouco tempo depois, o jogo já havia se tornado uma verdadeira febre entre os jogadores.
E não tardou muito para que as publicações impressas começassem a distribuir elogios ao game em suas páginas mensais, pois em se tratando de Mega Drive, um videogame de hardware veloz, porém, menos poderoso do que o de seu concorrente em qualquer outro aspecto, Gunstar Heroes se mostrava uma produção surpreendente, para não dizer milagrosa.
Era difícil acreditar que uma empresa com pouco mais de um ano de vida conseguisse produzir um game de tamanha perfeição logo em sua estreia no universo gamístico, e a explicação para o ocorrido não era tão simples, pois o resultado final dependeu de diversos fatores, como um excelente planejamento, competência, boas escolhas e principalmente, ideias geniais.
Pra começar, grande parte dos funcionários da Treasure havia trabalhado anteriormente no desenvolvimento do próprio Contra III, um game que agradava demais ao presidente da nova softhouse, que julgou assim, ser mais do que correto aproveitar a familiaridade da equipe para com a mecânica dos Run ’n Gun neste primeiro projeto. O próprio Maegawa confirmou isto em uma entrevista concedida em 2005 para um renomado site especializado em games, onde ele soltou a frase “Quando fundei a Treasure, adotei a missão de criar o tipo de jogo em que nós éramos bons em fazer”, uma decisão tão certa quanto o sucesso que o game poderia alcançar.
Mas é verdade que somente experiência, às vezes não é suficiente para a plena realização de algumas tarefas, e seriam necessárias mais algumas decisões acertadas para que Gunstar Heroes chegasse onde chegou.
Já na época, sabia-se que o Mega Drive possuía uma paleta de cores limitada (o número delas simultâneas na tela era mais limitado ainda), pouca memória de vídeo e mais alguns fatores que impediam o console de executar tarefas que o Super Nintendo realizava sem maiores problemas, mas se havia algo que o console da Sega possuía de sobra, era velocidade de processamento, coisa que já havia sido provada com os games da franquia Sonic. Utilizar à exaustão essa capacidade foi a segunda decisão acertada da Treasure: Gunstar Heroes era freneticamente rápido e dinâmico.
Os games do ouriço azul mostraram ao mundo que o console da Sega era capaz de manipular em altíssima velocidade uma grande quantidade de sprites ao mesmo tempo sem o menor slowdown, e a Treasure abusou deste fator, explorando-o de todas as maneiras que vieram à mente dos seus programadores. O resultado era visível logo que se começava a jogar o game, onde dezenas de inimigos vindos incessantemente de todas as direções possíveis, entupiam a tela em meio a explosões e projéteis dos mais variados tipos, enquanto os personagens lutavam freneticamente para abrir caminho em meio aos destroços até o final das fases, que eram guardadas por chefes tão grandes que davam medo.
Esses caras eram algo fora do comum, nunca antes se havia visto chefes de fase como os que apareceram em Gunstar Heroes. Eram quase todos enormes e cheios de articulações, e enquanto alguns se moviam ou se estendiam vertiginosamente pela tela inteira, outros até mesmo mudavam de forma no melhor estilo Transformers, adquirindo nova movimentação e novas formas de ataque. Imagine um inimigo que uma hora é um enorme robô que corre atrás de você tentando lhe acertar socos com braços que esticam, e no momento seguinte, ele se transforma em uma serra circular gigante que corre pela tela em altíssima velocidade, soltando faíscas por onde passa na tentativa de te cortar ao meio.
Gunstar Heroes é forrado de criaturas mecanóides deste tipo, e para criá-las, a Treasure tratou de evoluir uma técnica pouco difundida de manipulação de sprites que já havia aparecido anteriormente em alguns outros poucos jogos, como Ranger X (Gau Entertainment) e o próprio Contra III. A fórmula consistia em gerar criaturas robóticas enormes cheias de articulações a partir de vários sprites manipulados individualmente, fazendo total uso da velocidade de processamento do console para dar a nítida impressão de que tudo fazia parte de um único indivíduo.
E funcionou bem, mas tão bem que essa peculiaridade passou a ser marca registrada da softhouse em seus games posteriores, sempre apresentando a partir dali, aqueles chefes gigantescos que muitas vezes mal cabiam na tela da TV.
Encostou, não morreu!
Tanto nos Shmups quanto nos Run ‘n Guns, uma característica permanece imutável desde a criação dos estilos: a dificuldade. Quase sempre são jogos dificílimos, que exigem atenção extrema, reflexos de Jedi, e muita paciência na hora de guardar na mente os padrões das fases dos games, pois em muitos deles, só é possível se avançar mesmo na base da decoreba. Em grande parte, essa alta dificuldade se deve a um fator quase unânime nestes jogos: a morte por encostão. Sejam projéteis de qualquer espécie, soldados, alienígenas, cachorros, robôs, não importa: 99% do que se move pelo cenário é altamente mortal para os protagonistas destes tipos de jogos, o que deixa como nossa principal preocupação, antes mesmo da necessidade de destruir qualquer coisa que se atreva a aparecer na tela, não encostar em nenhuma delas.
Assim, a jogabilidade dos Run ‘n Guns e Shmups que iam surgindo com o passar dos anos praticamente não se alterava, sempre se resumindo a esquivar, coletar upgrades e atirar a esmo. Não se sabe se a Treasure percebeu isso e decidiu inovar, ou se o jogo estava mesmo era ficando difícil demais e exigiu mudanças… O que se sabe, é que elas vieram em grande escala.
A jogabilidade de Gunstar Heroes se mostrava única, rápida e precisa, e cheia de elementos inéditos a um game deste gênero. Acertadamente, a Treasure abolia a morte por encostão, e agora nosso herói contava com uma única vida representada por um número no alto da tela que diminuía ao se receber dano em escala proporcional ao tamanho da bofetada, que por sinal, era um dos vários novos recursos que os inimigos tinham para detonar com o protagonista na falta do esbarrão mortal. O personagem durava muito mais tempo em meio ao formigueiro de inimigos e tiros que o cercava, e isso garantiu muito mais dinamismo ao game além de balancear a sua dificuldade, pois agora era possível estudar o padrão de ataque dos inimigos sem o déficit da tentativa e erro, que geralmente precedia os inúmeros CONTINUES e o fatídico GAME OVER.
E com mais tempo de vida garantido ao protagonista, a Treasure optou por aprimorar a experiência de jogo com elementos inéditos ao estilo, e como foi bom perceber que agora era possível fazer algo mais do que apenas pular e atirar. Tornava-se possível realizar proezas como derrubar inimigos com uma poderosa rasteira, ou agarrar os mais próximos tanto no chão quando no ar, e os atirar para qualquer lado destruindo mais inimigos no processo. Mas a função principal dos protagonistas do game continuava sendo a de atirar como loucos pra todo lado, e para se fazer isso com estilo, o excelente sistema de fusão de armas permitia vaporizar os inimigos com dezenas de combinações possíveis de projéteis, fator que adicionou um toque de estratégia ao jogo, e muita diversidade na maneira como os jogadores encaravam os desafios propostos.
Este sistema era claramente baseado em Contra III (aquele onde os heróis podiam carregar 2 tipos de armas alternáveis) só que com algumas implementações muito bem elaboradas. Antes de se começar o game, somos apresentados a uma tela de opções, onde primeiramente decidimos se vamos jogar com movimentação livre ou fixa durante os tiros, depois escolhemos uma entre quatro opções de armas para começar a jogar, determinamos qual será o estágio inicial e começa a festa: podemos recolher os 4 tipos de armas pelo cenário e combiná-las a gosto (inclusive 2 tipos iguais), chegando a um número máximo de 14 projéteis distintos e de poder variável.
A cara da ação
Gunstar Heroes era nada mais que o primeiro jogo da nova fabricante, aquele que seria a apresentação da Treasure no mercado de jogos eletrônicos, e o game não ter a devida aceitação e reconhecimento por possuir um visual genérico era uma preocupação real dos desenvolvedores. Para que a nova produção se destacasse realmente do que já existia no mercado atual de jogos, foi decidido então que o visual do game deveria ser algo capaz de se destacar por si só, absolutamente condizente com a ação que seria apresentada na tela, e o estilo oriental dos mangás e animês pareceu então ser uma escolha óbvia.
O estilão mangá permitiu que o game oferecesse um visual único aos cenários e marcante aos personagens do game, independentemente de serem heróis ou vilões. Todos eles possuem um ar peculiar, como os heróis que esbanjam confiança em sua postura, ou os vilões que demonstram aquela atitude prepotente característica das animações japonesas. E cada um dos inúmeros sprites de animação que compunham os personagens do jogo foram cuidadosamente desenhados de modo fazer com que cada movimento possível na aventura se mostrasse original, e estes movimentos não eram poucos, assim como o número absurdo de personagens simultâneos na tela. Felizmente a velocidade do hardware do Mega Drive permitia que tudo rolasse suave, sem o menor slowdown, mesmo jogando-se em dificuldades mais avançadas, onde o número de inimigos simultâneos aumentava ainda mais.
Uma das coisas mais gratificantes de se jogar Gunstar Heroes era descobrir que o design de fases não se resumia a somente avançar por elas abrindo caminho em meio aquele mundaréu de inimigos mal intencionados. A variedade e a originalidade com a qual os ambientes do game foram criados acabaram sendo grandes responsáveis por tornar a curta aventura criada pela Treasure, algo empolgante e viciante do início ao fim. Se tais ambientes não são os mais bonitos e detalhados tecnicamente a surgirem no console da Sega, a maestria com a qual foram elaborados supre completamente este fator. Obviamente, consistem em sua maioria de etapas a pé, porém cheias de variações, como um barranco onde o herói desce deslizando enquanto fuzila inimigos em um plano que se mistura com o fundo do cenário e cria uma sensação de velocidade surpreendente, ou quebra-cabeças dispostos ao longo do caminho que impedem a passagem enquanto não forem resolvidos, mas outras etapas possuem peculiaridades que modificam e incrementam muito a jogabilidade, como uma que se passa com os heróis correndo desenfreadamente por trilhos magnéticos, ou uma outra que se resume a um perfeito Shmup, gênero que imortalizaria a empresa no futuro.
Outra coisa muito gratificante era ver que a trama do game não resumia a apenas um pretexto para a trocação de tiros! Sabemos que, geralmente, jogos de ação antigos não tinham histórias elaboradas. Era só aquela coisa do tipo “ele roubou a minha namorada, ele quer invadir a Terra, ele é feio” e só isso já tava bom. História era um fator que ficava por conta dos RPGs e alguns adventures, e era extremamente raro algum game fora desta linha possuir uma narrativa um pouco mais trabalhada que o trivial de sempre. Pra variar, Gunstar Heroes era uma destas exceções. O game possui uma história digna de roteiro de anime, que pra variar novamente, foi modificada na versão americana do game devido às diferenças culturais entre os dois países, e por isso nem vou levá-la em consideração, tanto por que a continuação do game, Gunstar Super Heroes, segue a história da versão original japonesa:
“Uma poderosa arma de destruição de nome tão original quanto ao dos heróis e vilões do jogo, Golden Silver, foi criada por uma organização maligna que desejava destruir a Terra e o universo por motivos obscuros, e uma vez solta, o caos impera pelo planeta. Os quatro Gunstars (Green, Yellow, Blue e Red, nomes super originais como já mencionei) viviam em uma das luas do planeta, vão à Terra para combater a ameaça e depois de muita briga, finalmente vencem o monstrengo, que é aprisionado e selado, sendo as chaves deste selo, quatro gemas de poder que foram guardadas em partes diferentes do planeta. Após o sucesso da missão, os Gunstars entraram em estado de hibernação, e ao longo do tempo que se deu, uma nova civilização prosperou, e a antiga batalha se tornou nada mais que uma lenda. Foi quando Green aparece agora líder de uma nova organização, um império que acreditava que a libertação do “Deus aprisionado na Lua” seria algo bom e sem o menor perigo, coisa que o ex-gunstar saberia certamente que não é verdade se não tivesse perdido misteriosamente suas memórias passadas.
Foi então que em meio a escavações imperiais na Lua, os outros Gunstars são encontrados dormindo em cápsulas por um cientista chamado Dr Brown (mais cores…), e uma vez reanimados, contam ao velho senhor aquilo que Green deveria saber direitinho: a probabilidade nada agradável de destruição global que Golden Silver poderia trazer se fosse despertado. Dr Brown se une então aos Gunstars, que vão tentar impedir que as 4 gemas caiam nas mãos de Green e do império”.
A premissa é boa, e o jogo é melhor ainda!
Gunstar Heroes é festa em duplas
Obviamente não foi à toa que Gunstar Heroes se tornou extremamente popular em pouquíssimo tempo. Os efeitos visuais não nativos do console presentes no game somados à freneticidade que o título propunha, causaram uma enxurrada de matérias altamente positivas, sendo inclusive eleito por uma das mais importantes publicações impressas especializadas dos EUA, como o melhor jogo de ação de 1993. O resultado foi o sucesso absoluto entre os donos de Mega Drive, que logo na abertura do game, já podiam presenciar um belo efeito de rotação de sprite que de maneira alguma acreditava-se ser possível realizar no console sem a ajuda de algum chip especial ou acessório a parte, algo que já mostrava em primeira mão aos desavisados, à concorrência, e a quem mais pudesse interessar, que viria coisa boa pela frente, boa e cooperativa.
Nas gerações passadas de jogos eletrônicos, em especial nos consoles de 16 bits da Nintendo e da Sega, um certo fator era bastante comum a vários gêneros de jogos, um fator que era considerado essencial e que foi se perdendo com o passar dos anos, talvez enfraquecido pelo poder dos jogos On-Line e das lan houses que se multiplicavam pelas cidades do mundo com seus jogos em rede. Claro que eu estou me referindo ao modo para duas pessoas, obrigatório nos Beat em Ups, preferível em outros vários gêneros, e indispensável para a jogatina em grupo regada a pipoca, pizza, refrigerante, e controles engordurados.
A época era propícia a este tipo de jogatina, nada era mais divertido do que juntar aquele bando de gente na sala em frente a uma TV de tubo 21″ para disputar partidas multiplayer, fossem elas cooperativas ou não, e sabendo disso, a Treasure tratou de fazer bonito em seu game de estreia: quando o assunto era multiplayer cooperativo, Gunstar Heroes cumpria com excelência o seu papel.
Dois jogadores podiam fuzilar inimigos simultaneamente pelas fases, cada um no controle de um dos heróis do jogo, que respondiam pelos nomes Red e Blue. Claro, depois da trabalheira ensandecida que o pessoal da produção deve ter enfrentado para desenvolver um projeto tão surpreendente em um espaço de tempo tão curto, é certeza que ninguém mais tinha neurônios em atividade suficientes nem para batizar os personagens e vilões do game com títulos mais decentes, que acabaram assim recebendo nomes banais e simples, baseados em cores avulsas. Mas se faltou originalidade na hora do batizado, não faltou competência na hora de fazer com que tudo continuasse rodando suave mesmo com o console processando comandos em dobro enquanto a tela da TV se entupia de inimigos, explosões, tiros e demais coisas passíveis de causarem hematomas nos heróis. O espetáculo visual que o game proporcionava com isso deixava a aventura impressionante tanto para a dupla de jogadores que atuava no momento, quanto para aqueles que apenas observavam aguardando a sua vez de pegar finalmente o gamepad para adentrar naquela instigante batalha futurística que, infelizmente, se revelava mais curta do que a vontade de continuar jogando exigia.
Gunstar Heroes, apesar de todos os prós, se mostrava um game curto. Jogadores mais experientes precisavam de poucas horas para que o jogo fosse dominado e vencido, outros não tão habilidosos o detonavam em um único final de semana, situações causadas principalmente pelo baixo número de fases e pelo nível de desafio que não era lá muito alto. Curiosamente, algumas das notáveis melhorias do Game constituíram um fator decisivo para a pouca longevidade da jogatina solo e baixa duração da aventura, como por exemplo, o fato do personagem não morrer mais com apenas um tiro, que permitia que jogadores passassem as fases aos trancos e barrancos, e algumas combinações de armas, como o Chaser + Lightning, que era tão apelativa que o jogador podia se preocupar apenas em se esquivar dos projéteis inimigos enquanto aquele lazer teleguiado assassino fazia a chacina.
O game ficava mais fácil ainda quando jogado em duplas, pois além da ajuda mútua característica, se um dos jogadores morresse ainda era possível voltar à porradaria imediatamente em troca de metade do HP do outro jogador. Mamão com açúcar!
Estes fatores poderiam ter atrapalhado muito os planos da Treasure com seu primeiro game, mas não foi o caso, pois o título continuava extremamente divertido mesmo após ser detonado, e era passível de ser jogado várias vezes tanto sozinho quanto em multiplayer antes que o jogador finalmente enjoasse e encostasse o cartucho, que ainda assim só ficava de canto até que algum dono de SNES aparecesse no recinto da comunidade seguista. Esse sim era o momento mais delicioso de se ter Gunstar Heroes à disposição: o sofrido possuidor do console da Sega podia mostrá-lo para o nintendista da época e dizer de peito estufado: ESTE É EXCLUSIVO DO MEGA DRIVE CHAPA!
Fim da guerra, recolham suas bandeiras
Pois é, isso acontecia muito naqueles anos sofridos de guerra entre consoles, sofridos mas inesquecíveis. Gunstar Heroes aparecia trazendo dias melhores aos donos de um console que, outrora líder, agora comia a poeira de um concorrente que graças a uma regularidade mais acentuada de títulos de qualidade, se distanciava na liderança cada vez mais. A guerra não estava por terminar, mas já se previa que o seu final se daria em no máximo 2 ou 3 anos, pois novos protagonistas estavam por surgirem no Japão e, talvez, uma nova guerra viesse a acontecer em breve para tomar o lugar desta. Mas seria ela capaz de ser tão marcante quanto a anterior?
Essa resposta ninguém tinha, tanto por que no ano que se seguiu, muitos bons jogos foram lançados para ambos os consoles, um breve período em que o Mega Drive conseguiu encurtar a distância para o SNES em número de bons títulos, alguns deles só concebidos por que Gunstar Heroes apareceu antes e mostrou que era possível fazer algo mais no console da Sega.
A Treasure provava que o Mega Drive era capaz de fazer muita coisa que se julgava impossível realizar no aparelho, e se não era com a mesma excelência e maestria gráfica do concorrente, era com mais velocidade e dinamismo, e foi este o caminho que a recém formada empresa criou e mostrou para quem quisesse ver e seguir. E se hoje a Treasure não se tornou uma gigante do desenvolvimento de games, foi por que ela preferiu ser uma pequena notável dentre as poderosas marcas do mercado, pois potencial para isso ela tinha e ainda tem de sobra. É só dar uma olhadinha em games como Ikaruga e Gunstar Super Heroes, a continuação do game aqui em questão, para que esse potencial fique bem evidente.
Gunstar Heroes se tornou um clássico dos 16 bits, um game premiado e aclamado como um dos melhores jogos de ação de todos os tempos, e hoje em dia, em tempos de paz um dia inimagináveis entre Nintendo e Sega, ele sempre figura nas eternas e infindáveis listas de melhores disso e daquilo. Nada mais justo para um game tão inovador, revelador, divertido e querido como foi este primeiro título da Treasure, que se tornou com o passar do tempo, um dos grandes nomes dos Run ‘n Guns da história, aparecendo inclusive à frente de games da franquia Contra em muitas ocasiões, coisa que causa aquela pontada de ciúme ainda hoje nos donos de SNES sobreviventes da grande guerra da década de 90. Nada mau para um game de estreia, não é mesmo?
Muito obrigado a todos vocês, amigos retroaventureiros, que aguentaram ler esse material todo, pois haja paciência pra se ler duas matérias tão grandes em um tópico só!
Este foi o Primeiro RetroReview Especial de Aniversário, e vocês não perdem por esperar o segundo.
Até a próxima!
O slogan do antigo RetroPlayers ainda vale pra mim: “também to morto mas tô aí!”
E muito bem acompanhado =)