Sabe quando as vezes a gente resolve jogar novamente aquele game do passado ao qual nossas lembranças estão vagas e fragmentadas pelo tempo, e a gente joga e de repente percebe que avançar naquilo é difícil demais, só que quanto mais a gente se esforça e avança, mais lembranças vão vindo e a vontade de continuar resgatando esses fragmentos do passado só fazem aumentar a vontade de saber até onde a gente havia conseguido avançar naquele game? Este foi eu tentando não morrer enquanto jogava novamente Truxton, o shmup da bomba-caveira!
1990 e qualquer coisa, eu e meu Mega Drive éramos parceiros inseparáveis, e a busca pelo próximo jogo a ser detonado era algo corriqueiro nos finais de semana. E a regra era mesmo detonar os jogos, nem que levássemos para isso alguns suados dias a mais, que custavam caro no bolso do jovem cidadão não-assalariado.
Mas é claro que vira e mexe me apareciam algumas pedras no sapato, ou pedregulhos, ou um paralelepípedo vez ou outra, e quando esses últimos resolviam pintar, o joanete chorava de dor! Eram os casos em que eu precisava alugar o jogo várias vezes para conseguir um avanço significativo, e isso não quer dizer que eu conseguia terminar eles não… Muitos destes detonaram foi é com a minha paciência, como Gaiares, The Ooze (tranqueira maldita), e um tal de Truxton…
E desse, caro amigo retroaventureiro, eu apanhei sem dó.
A caixinha não negava o estilo: Shmup clássico de tela vertical, o tipo de jogo que todo mundo gostava de jogar naquela época, mas que poucos conseguiam se dar bem, e eu definitivamente não estava incluído nessa turminha. Até conseguia terminar um shmup ou outro, mas quando os mais difíceis apareciam, era só na base da insistência que eu obtinha algum sucesso, e nem sempre o bolso me deixava insistir o suficiente… A saída do pobre era conseguir a fita emprestada com alguém, ou trocá-la nas barraquinhas da Lapa, e quando isso não era opção, o jeito era mesmo jogar a toalha, sair de mansinho da locadora, e fingir que aquele jogo desgraçado não existia para que o orgulho parecesse menos esmigalhado.
Quando aluguei Truxton pela primeira vez, eu mal sabia que estava entrando em um perigoso círculo vicioso que iria durar várias semanas: alugar, me estrepar, devolver a fita, e assim sucessivamente até que meu orgulho gamer (e a fome na hora do recreio) me obrigasse a tentar algumas das outras opções! Ele custou a ser vencido… O meu orgulho, não o maldito jogo!! Esse desgraçado se manteve firme e forte na lista de títulos que haviam me nocauteado, mas ainda faltava muita lenha pra queimar até a história ficar completa.
O paralelepípedo em questão foi criado pela lendária Toaplan, softhouse famosa pelos pelos seus vários e dificílimos shmups desenvolvidos durante o final dos anos 80 até a metade da década de 90, quando a empresa decretou falência (ou para ser mais exato, decidiu não pagar o dinheirão que devia) e fechou as portas. Ela é considerada uma das precursoras do estilo Bullet Hell, e na verdade nem é preciso muito esforço para se perceber isso! O game chegou primeiramente aos arcades em 1988, e no finalzinho do ano seguinte, foi portado para Mega Drive e Pc Engine em duas adaptações que surpreendentemente superavam o original, coisa rara de se ver!
Primeiramente, as músicas e efeitos sonoros são totalmente diferentes na versão para Mega Drive, em geral bem melhores que o original em qualidade de som, e a versão para o console da NEC é uma trilha remixada que pegava a original e a deixava muito mais completa, agradável e rítmica! O negócio é que estas músicas em suas versões originais de arcade são tecnicamente muito pobres, e independente das composições serem diferentes no Mega Drive, ainda assim o som é mais rico e gostoso de se ouvir no console da Sega. Já quanto as composições no PC Engine, ai se torna questão de gosto, mas posso afirmar que após ouvir as trilhas originais na versão remixada do console, não tive como não achá-las bem mais agradáveis e bonitas que as criadas para o Mega Drive. Meu veredicto final será dado quando eu jogar a versão NEC deste game pra valer, pois os HU Cards terão a sua vez aqui no RP! Podem me cobrar!
Na parte gráfica, ambos ficaram mais bonitos e detalhados, com cores mais vivas e vibrantes, e se você só jogou a versão para o console da Sega, fique sabendo então que o nível de detalhamento aplicado a ela dá um banho nas demais, sem contar que ela foi a que teve mais passagens refeitas e redesenhadas de modo fazer uso do potencial gráfico que era comum ao console naquela época. Ainda assim, o game estava no limiar do aceitável: Truxton possuía gráficos medianos, bem comuns até, daqueles onde canhões e fileiras de tanques em movimento explodem e deixam aqueles buraquinhos no chão brilhando vermelho que nós já tínhamos visto centenas de vezes em outros shmups espalhados em bares e fliperamas por aí. Os efeitos especiais usados eram bem básicos, e nem o super comum Parallax em momento algum fora empregado para garantir aquela bem vinda melhoria na sensação de profundidade no cenário, e posso dizer que tecnicamente falando, a única coisa surpreendente é a rotina de rotação de sprites que um certo modelo bem comum de nave inimiga apresenta, se bem que eu não consigo identificar se é realmente rotação ou apenas vários sprites diferentes se revesando para causar o efeito, o que é bem mais provável se levarmos em consideração que ainda estávamos em 1989. Em compensação, isso deixava o game sempre muito leve, e não dá pra sentir a menor queda de framerate durante a jogatina toda, o que reflete positivamente na jogabilidade do título.
Controlar a nave é muito fácil, e a configuração de botões ajuda muito nisso: tiro, bomba, e rapid fire. Resumindo, soque o dedo no botão de tiro ininterrupto enquanto controla a nave pra cá e pra lá desviando de tiros inimigos, solte algumas bombas aqui e acolá, e a única coisa que você precisará se preocupar fora isso será com a coleta de itens e power-ups. Estes aparecem obviamente quando detonamos inimigos tanto aéreos quanto terrestres, e vão de vidas e bombas extras a armas e upgrades. São 3 tipos de armas: vermelha é o tiro normal, que tem alcance lateral e bom poder destrutivo; azul é o raio tele guiado que gruda em inimigos grandes, mas que obviamente, é o mais fraquinho; e verde é a rajada laser, que destrói mais que o Hulk, mas vai reto e não tem alcance algum nas laterais. Todos ficam mais fortes à medida que pegamos power-ups, o que inclusive faz aparecerem 2 droids de apoio que aumentam muito o poder e o alcance dos tiros, e um escudo que rodeia a nave e nos protege das irritantes trombadas em inimigos menores que aparecem principalente por trás, mas não de seus tiros. Um ponto interessante é que a troca de armas não reseta o poder corrente: podemos trocar de canhão recolhendo o item correspondente sem problemas que só vai mesmo trocar o tiro, o poder de fogo continua. Obviamente que ele vai pro vinagre se formos abatidos, isso é sem dó: morreu, perde tudo, inclusive a velocidade, que também é controlada por itens recolhidos e deve ser muito bem dosada para não deixar a nave incontrolável.
Truxton é um game contínuo. Quando vencemos algum chefe de fase, sempre gigantes por sinal, não ganhamos nenhuma mensagem de congratulação, e nem a tela escurece ou aparecem frases dizendo que passamos de fase: o negócio apenas continua em frente sem parar até o último chefe do game. Paralisações só acontecem quando morremos, onde assim como nos outros jogos da Toaplan (bando de sadomasoquistas) somos obrigados a voltar um belo pedaço do caminho, e se morrermos de novo, voltamos mais e mais até chegarmos ao início da fase. Sim, o negócio é apelativo, pois os estágios são enormes e cheios de sub chefes quase tão difíceis quanto os próprios inimigos finais, o sprite da nave é grande e a área de colisão dela é enorme, o que somados a inimigos que vem sempre aos montes desferindo tiros certeiros, rápidos e ininterruptos, transformam Truxton em um game que definitivamente não é para todo mundo. São precisos reflexos ninjas para se desviar da saraivada de tiros e uma memória muito boa para decorar todas as ocasiões onde o perigo de morte é iminente, e fora isso, a única coisa que pode nos salvar nas horas mais apertadas é algo que, sem dúvida, é a grande marca registrada do game, e provavelmente a coisa mais legal dele: a devastadora Bomba Caveira!
Este item em especial foi a resposta para uma dúvida que eu tive quando comecei a jogar Truxton novamente depois de tanto tempo: a cada metro de terreno que eu avançava, sempre me vinha sensação de que eu já conhecia aquilo, o que se comprovava quando eu enfrentava algum sub-chefe ou chefe de fase e as memórias das surras do passado voltavam dolorosamente à minha cabeça. E por mais que eu avançasse, isso continuava, só que a dificuldade era tamanha que eu não conseguia entender como eu havia conseguido avançar tanto naquele game quando garoto! Tudo bem, eu aluguei bastante o bendito jogo, e não tenho recordação alguma de tê-lo finalizado, mas até onde eu havia chegado? E como eu fiz isso? A resposta era uma só: a Bomba. Ao se usar este item, uma enorme caveira de energia varre para o limbo tudo que está na tela, inclusive raios e projéteis inimigos, sobrando só os mais parrudos que ainda assim, sofrem um belo dano. A quantidade de bombas disponíveis é bem limitada, e é comum tentarmos ao máximo não acabar com elas no meio das fases em prol de usar todas nos dificílimos chefes, e era assim que eu estava jogando atualmente, tudo normal! A dificuldade era absurdamente alta, e eu não conseguia se quer chegar ao chefe da segunda fase do jogo, mas eu sabia que quando garoto, mesmo não tendo terminado o jogo, eu tinha ido bem mais longe que isso, e foi então que eu lembrei de algo…
A princípio, foi só uma vaga recordação de algo envolvendo a caveirona, mas assim que eu testei, a memória do dia em que eu sem querer acabei descobrindo aquilo transbordou no meu cérebro: eu estava jogando, sentado no carpete da sala com as pernas cruzadas e os olhos vidrados na TV, atenção total para o exato momento de soltar a bomba quando aquela nave gigante desgraçada aparecesse e… MINHA IRMÃ PASSA NA FRENTE DA TV. Eu já havia soltado a bomba, o dedão voou automaticamente para o botão de pause e ficou aquela caveirona estampada na tela! Me lembrei como se fosse hoje dela dizendo “credo, que caveira feia!” enquanto eu xingava a menina e ao mesmo tempo ouvia os berros de minha mãe na cozinha mandando a gente calar a boca, e depois que ela saiu e eu soltei o pausa, o inimigo explodiu… Não demorou 2 minutos para eu entender o singelo errinho de programação que existia ali: pausar o jogo renovava e amplificava o efeito da Bomba! Era como se a cada pausada, eu soutasse outra bomba nova, e agora estava claro para mim que foi devido a isso que eu havia conseguido avançar tanto naquele game! Era soltar a caveira e fuzilar o botão de pause o mais rápido possível que, se o inimigo não explodisse, no mínimo ficava bem detonado!
Caro amigo retroaventureiro, sim, é trapaça, mas e daí? Quem mandou o pessoal da Toaplan deixar passar? Problema deles: o importante é que relembrar isso foi emocionante, um sorriso enorme brotou em meu rosto, e foi graças a isso que eu finalmente consegui terminar este jogo, agora, tanto tempo depois. Não consegui definir exatamente até onde avancei quando garoto, mas não tem problema, pois a missão estava cumprida, e Truxton finalmente saiu daquela maldita lista de jogos que me destroçaram a moral.
Truxton é um game antiquado até mesmo para sua época, mas fez bastante sucesso no Mega principalmente devido a ser mais um port de arcade muito bem feito, o que era de praxe aparecer no console. Praticamente todo dono de Mega Drive daquela época deve ter jogado esse game ao menos uma vez, o que nos leva à afirmação de que, se ele não é um dos melhores shmups do console, definitivamente é um dos mais famosos, o que já é muita coisa se levarmos em consideração o elevado número de jogos dessa linhagem no aparelho.
Infelizmente Truxton 2, o penúltimo trabalho da Toaplan antes de fechar as portas, não chegou a ser lançado para nenhuma plataforma caseira popular (só saiu no Japão para o super PC FM Towns), o que é uma pena, pois certamente ele teria feito um enorme sucesso no Megão, e teria aumentado significativamente a quantidade de fãs que a franquia já tem (ou teve) no console.
Mas se você, assim como eu, foi ou é fã de Truxton, quer jogá-lo novamente, mas precisa de um incentivo a mais para voltar a passar nervoso com o game, fique sabendo então que eu descobri recentemente que a versão para Mega Drive possui nada mais que 5 finais diferentes! Pois é, caro amigo retroaventureiro, são cinco encerramentos, mostrados um a cada vez que você termina o game de maneira consecutiva, e o primeiro é o pior deles. Reparou que no canto direito da tela, acima da palavra STAGE, está escrito ROUND? Pois é, isso marca em qual JOGADA você está, e você só verá o grande e verdadeiro final do game quando terminá-lo 5 vezes seguidas!! Pelo menos não importa a dificuldade, o que vale é a maratona: pode jogar em qualquer um dos 3 níveis de dificuldade que os finais serão mostrados do mesmo jeito, e particularmente, a única diferença que notei do EASY para o NORMAL é que nesta primeira opção os continues são infinitos, e acredite: você vai precisar demais disso! Nem preciso dizer que eu passei longe do HARD né?
E você pensando que a Capcom era malvada por te fazer jogar GnG duas vezes seguidas… QUEIME NO INFERNO TOAPLAN!
O slogan do antigo RetroPlayers ainda vale pra mim: “também to morto mas tô aí!”
E muito bem acompanhado =)