Joguei muito shmup de Mega Drive na minha adolescência. Grande parte da culpa disso foi da antiga game locadora aqui do bairro, que possuía um arsenal completo de games de navinha em suas prateleiras. E estes eram títulos que mais cedo ou mais tarde, acabavam encaixados no meu console, pois as opções iam aos poucos se esgotando e uma hora a gente acabava dando chance para aqueles games menos alugados! Dois deles, ainda nos primórdios do console negro da Sega no Brasil, me trazem lembranças marcantes de muitas horas em dias repetidos de jogatina, dois jogos que eu terminava vezes seguidas sem enjoar, e é sobre o primeiro destes que eu falarei agora.
Vocês já devem ter me visto dizer alguma vezes que a SEGA tem um cemitério de franquias no quintal de sua casa. Não é pra menos, durante a época dos 8 e 16 bits ela gerou e deixou morrer dezenas delas, algumas tão promissoras e cheias de possibilidades futuras quanto as outras muitas que a empresa elegeu como sendo suas favoritas. Alguém pensou em Shadow Dancer ou Kid Chamelleon? Pois é…
Mesmo tendo seus muitos méritos, Arrow Flash não era tãããão promissora quanto essas duas ai em cima não, mas figura na história como mais uma destas franquias zumbis da gigante nipônica, um shmup curto, bonito, de trilha sonora razoável, relativamente fácil, e divertido na medida certa, tão certa que fica difícil entender quais foram os motivos que levaram a empresa a se esquecer tão sumariamente deste joguete. Mas primeiro vamos lembrar do jogo, depois eu arrisco o milagre que é tentar entender a SEGA.
No jogo, pra variar, uma raça alienígena está destruindo o universo e a Terra está no meio do fogo cruzado. Zana Keene é a heroína terrestre, uma piloto super habilidosa que, no comando do protótipo pseudo-transformer Arrow Flash, tentará impedir o avanço das aberrações estelares. É bem verdade que a história do jogo não foge ao clichê “herói solitário da Terra contra a frota alienígena” de sempre, mas vale lembrar que este game é um dos primeiros shmups a pintar no console, em uma época em que os clichês ainda não possuíam a força medonha de hoje em dia. Tem até algumas cutcenes em animê aqui e acolá para mostrar as ações da heroína durante a aventura, coisa chique para meados de 1990.
O grande trunfo de Arrow Flash está em sua jogabilidade. Poucos games possuem opções de customização como este: é possível, além da básica (mas ausente em muito jogo) configuração de botões e de dificuldade, escolher se queremos jogar com o rapid fire ligado ou não, e definir se o comando Flash será realizado por carregamento ou por estoque de vezes (jajá eu explico isso). Primeiramente, caro amigo retroaventureiro, quantas vezes em sua longa carreira gamística, neste pequeno planeta azul perdido na imensidão do universo, você xingou, esperneou e esbravejou para os deuses (que não te ouviram pois estavam ocupados jogando baralho no outro lado do universo) tentando fazer com que eles percebessem a fúria que dilacerava suas entranhas por causa daquele maldito jogo de tiro que não tinha Rapid Fire? Muitas, não é mesmo? Naquele mundaréu de jogos de apertos rápidos e consecutivos onde o dedão desmorona antes de se chagar ao chefe da fase, o uso de um rapid fire seria uma dádiva, tanto por que na próxima etapa, o que desmoronaria seria o braço inteiro, pois o controlpad estaria desconfortavelmente posicionado em cima do joelho da pessoa para que com o dedo indicador, esta pudesse continuar apertando freneticamente os botões. A próxima etapa ocorreria no ortopedista.
Só pela presença do rapid fire já se percebe que a Sega possuía boas idéias em se tratando de shmups, e talvez isso tenha sido influência da convivência com o pessoal da Telenet/Wolftean e seus belos games do segmento, quem sabe? Verdade é que nosso mecha se movimenta suavemente pela tela a uma velocidade inicial muito satisfatória, possível ainda de ser controlada com a coleta de itens de speed up liberados por cápsulas que aparecem aos montes pelas fases. Estas mesmas cápsulas carregam os itens de Power Up que devemos recolher para aumentar o poder de fogo do nosso mecha.
Até o momento, nada fora do comum: aquela montoeira de naves inimigas entopem a tela para impedir o seu avanço como em qualquer outro game do segmento, e é aí que vem a diferença na jogabilidade de Arrow Flash: o comando FLASH.
Um botão atira, o outro alterna o mecha de sua forma robô para nave onde a jogabilidade básica pouco varia (em suma, os drones recolhidos te “seguem” quando em forma de nave assim como acontece em Gradius e Salamander, e ficam fixos em cima e em baixo quando em forma mecha), e o terceiro botão inicia uma ação especial devastadora chamada Flash, onde em forma de nave, o mecha libera uma saraivada enorme de lasers que limpam a tela instantaneamente, e em forma robótica, cria uma barreira de energia que deixa nosso veículo indestrutível e mortal enquanto ela durar. Sabe o Goku quando usa o Kaioken? Pois é.
O comando Flash é a essência de Arrow Flash, e quando bem utilizado, deixa o jogo até fácil! Como eu já disse anteriormente, o menu de opções do game permite escolher se vamos jogar com o Flash em quantidades estocáveis (quantidade preestabelecida de vezes para se usar o comando que pode ser aumentada recolhendo-se itens), ou em charge (seguramos o botão até o golpe carregar e depois soltamos), e isso modifica inteiramente a estratégia a ser utilizada. Dosar o uso dessa habilidade e saber carregá-la no momento certo é essencial, e a Sega acertou em cheio quando criou esse sistema. Tudo estaria completo se existisse uma variedade maior de tiros e fases mais longas, pois graficamente e sonoricamente, o game não faz feio.
Logo de início já é possível perceber um monte de camadas diferentes de profundidade no cenário, efeito que se repete à exaustão no game inteiro e que o Mega Drive fazia com a mão nas costas e o pé amputado. Os cenários são bem variados e coloridos, um belo trabalho em se tratando de um game de 1990, e a trilha sonora estava longe de ser ruim… Um pouco estridente, mas nunca ruim! A reclamação maior fica por conta da dificuldade: as fases não são lá muito desafiadoras e a quantidade de projéteis que vem na direção da sua nave é baixa, então em suma, use Flash em modo Mecha e destrua os chefes, pronto! Ainda é possível aumentar o total inicial de vidas para 7, um número bem generoso se formos levar em conta que os continues são infinitos, e a dificuldade vai por água a baixo.
E se tudo é bom, se tudo em Arrow Flash é no mínimo aceitável, então por que diabos a Sega não insistiu no gênero? Sabemos que Shmups horizontais nunca foram a casa da produtora (ela sempre investiu em Rail Shooters, gênero que explicaremos mais adiante no especial), mas a sua entrada no segmento com um game que se mostrava no mínimo cheio de boas ideias, era mais do que promissora. Na pior das hipóteses, seria o laboratório para a criação de outros games de qualidade muito superior, mas não foi o que aconteceu. Arrow Flash chegou à América por intermédio da Renovation, e foi só, as aventuras estelares de Zana morreram por ai. A franquia se tornou mais uma no enorme cemitério de games da Sega, e lá jaz esquecida para todo o sempre. Eu particularmente não esqueço desse jogo… O que eu esqueci mesmo foi de onde veio aquele cartucho japonês que eu tanto joguei… Caramba… De onde?? São Longuinho, São Longuinho…
O slogan do antigo RetroPlayers ainda vale pra mim: “também to morto mas tô aí!”
E muito bem acompanhado =)