Quem acompanha o Retroplayers já deve saber que hoje sou pai, e que esse processo não foi lá uma coisa muito simples. Pois é, os prazeres da vida nem sempre vem de forma fácil: lá estava eu sentado em um sofá duro do lado de uma cama de hospital enquanto meu neném recém nascido tomava litros de soro em um processo de recuperação que levou mais de uma semana para terminar. Claro que no final das contas, tudo acabou bem, como relatei aqui nesse amontoado de pensamentos, mas não posso negar que a espera monótona que me acompanhou naquela semana teria sido muito mais insuportável se não fosse o meu emulador de Mega Drive para Android, meu gamepad blutooth, e minhas vagas memórias sobre um game que eu não sabia, mas se chamava Magical Taruruuto-Kun.
Claro, na situação em que eu me encontrava, não restava muito ânimo pra jogar qualquer coisa por melhor que fosse. Preocupação é sempre algo que mina nossa força de vontade, e por mais que tentemos, é normal desanimar e deixar tarefas cotidianas de lado enquanto a preocupação não passa. Assim eu tentava jogar qualquer coisa que pudesse me ajudar a passar o tempo, preferencialmente games que eu ainda não havia jogado antes, e cá entre nós: eu estava abalado demais, ou Contra Hard Corps é uma trollagem de tão difícil? Affe Maria!! Bem, mas deixando essa pedreira para outra ocasião, eu não conseguia jogar nada por mais de 15 minutos.
Tudo parecia tão maçante e estressante que raramente eu usava um continue antes de desistir por completo, jogo após jogo. Mas algo me levou a lembrar de um game que, ao menos em minhas memórias, era lindo, e eu havia jogado a tanto tempo que nem recordava mais dele: uma noite, depois das enfermeiras darem banho no Leo, o ambiente já estava relativamente frio, e enrolaram ele em uma toalha que tinha um gorro azul com duas orelhinhas. Quando o levantaram e ele ficou de frente comigo, imediatamente aquele personagem me voltou à mente, uma criança que também usava um gorro azul com orelhas, e que encantava objetos pelo cenário com sua varinha mágica para poder usá-los como armas. Este era Magical Taruruuto-Kun, para o Mega Drive, um game que obviamente, tive que pesquisar no Google para descobrir o nome!
Os dizeres na caixinha eram indecifráveis, e esse era o tipo de jogo que sempre ficava por último na prateleira da locadora: títulos desconhecidos provavelmente não lançados nos States e que nem o dono do estabelecimento sabia dizer se eram legais ou não. Foi dessa maneira que conheci pérolas como Valis III e El Viento, chegando atrasado na locadora e alugando o que havia sobrado, e no caso de Magical Taruruuto-Kun, a estampa da caixinha era tão convidativa que acabou não havendo muita resistência da minha parte.
Lembro que na época foi uma delícia jogar aquele game. Era uma aventura tão bonita, colorida, e com um personagem tão carismático que eu não podia deixar de me questionar sobre o motivo daquele jogo nunca ter aparecido em alguma revista da época, e olha que eram muitas! Não se tratava de um game absurdamente difícil ou frustrante como era de praxe na geração, mas sim, de um plataforma clássico com elementos de exploração e uma ambientação tão maluca que seria simplesmente impossível saber realmente do que se tratava sem os avanços da tecnologia da informação. O que víamos era um garotinho trajando uma touca azul e uma capa que se transformava em um par de asas, e que acertava malfeitores com qualquer coisa que ele pudesse encantar usando sua varinha mágica. A gente avançava por cenários super variados e cheios de interação, muito bem animados e tão bem feitos que davam a impressão de que estávamos dentro de um desenho animado nipônico, onde sempre enfrentávamos um chefão hora enorme e assustador, hora bonitinho e engraçadinho no final do percurso. O restante das impressões sobre o jogo se completaram lá no hospital, enquanto eu aguardava a recuperação do meu pimpolho.
Uma das coisas que mais gosto quando me aventuro por terras já visitadas é a nostalgia que uma lembrança que vêm à tona sem aviso acaba causando na gente. Um chefe que você não lembrava, o esquema de matar esse chefe que você também não lembrava, uma música, algo peculiar durante a aventura… Neste aspecto, jogar novamente Magical Taruruuto-Kun foi um espetáculo: a todo momento eu lembrava de algo, como as tartarugas cuspidoras de fogo, o helicóptero da primeira fase que retorna em uma etapa mais a frente, o sub chefe vampiro da floresta, e aquela maldita parte das girafas em que temos que avançar correndo para que a tela não nos engula…
Maldita sim, isso mesmo: eu não lembrava que o jogo tinha etapas tão difíceis! Em sua maior parte é tudo bem simples, e a gente avança se divertindo e curtindo os lindos cenários, os personagens absurdamente bem animados, e chutando o traseiro de chefes de fase bem mais fáceis do que suas aparências quase sempre sugerem quando de repente, enroscamos em uma ou outra etapa dessas em que a tela quer nos engolir, e é ali que os Game Overs começam a pipocar na tela comendo nossos poucos continues. Se não fossem essas partes, arrisco dizer que eu teria terminado o jogo na primeira ou no máximo, segunda tentativa, já que a jogabilidade é ótima e o personagem ainda conta com alguns poderes especiais adquiridos ao longo da aventura que, dentre outras coisas, garantem invencibilidade temporária na hora do aperto. Mas como elas existem e devoram sem dó nossas importantes vidinhas, acabamos tendo que perseverar bastante nessas etapas, nada que um jogador das antigas já não tenha superado antes.
Já falei que o jogo é bonito? Eu sei que já, mas vou ressaltar esta parte: em se tratando de Mega Drive, o game não é tão antigo, mas antecede a melhor época gráfica do console 16bit da SEGA, que se iniciou no finalzinho de 1992 com a chegada de Sonic the Hedgehog 2 (no ano seguinte seriam lançadas pérolas como Shinobi III, Rocket Knight Adventures e Gunstar Heroes, que elevaram como nunca o nível de qualidade geral dos games do console). Mas ainda assim, Magical Taruruuto-Kun se destaca: o game trazia efeitos robustos como belas e múltiplas camadas de parallax em todos os cenários, distorção de tela em determinadas magias e ataques inimigos, e muitos frames de animação no sprite do garotinho da touca azul, que por sinal, e a exemplo de todo o restante dos personagens do jogo, era bem grande na tela.
No final, Magical Taruruuto-Kun é um joguinho de plataforma bem simples, convincente e divertido. A doideira que compõe as etapas, chefes e tudo mais provém justamente das origens do personagem: um mangá cômico publicado no Japão de 1988 a 1992, que culminou em um anime e três filmes de muito sucesso na época, e que foram a base para a criação deste e de outros games mais desconhecidos ainda do personagem. E provavelmente esta origem foi o que decretou a ausência do jogo em terras ocidentais… Talvez se as aventuras de Magikal Taruruuto-Kun nas TVs tivessem conseguido ultrapassar as fronteiras de seu país, era capaz que o jogo também conseguisse… Mas não foi o que aconteceu, e esse ótimo game acabou se tornando exclusivo daqueles caras sortudos que chegavam atrasados nas locadoras para, como eu já disse, alugar o que havia sobrado. Ainda bem, pois assim, a coisa se torna mais marcante.
O slogan do antigo RetroPlayers ainda vale pra mim: “também to morto mas tô aí!”
E muito bem acompanhado =)