Em matéria de emulação de consoles antigos, uma das coisas que me dão mais prazer é sem dúvida a possibilidade de poder me aventurar novamente por mundos já explorados a muitos anos atrás, principalmente aqueles que estão bem gastos e fragmentados em nossas memórias. É muito bom poder relembrar alguns jogos, melhor ainda é quando fases, chefes e músicas inundam nossa cabeça com lembranças que voltam à tona ao darmos de cara com eles novamente… A sensação nostálgica que isso proporciona é uma recompensa inigualável, são mundos e épocas inteiras se reconstruindo em nossas cabeças em um piscar de olhos! Claro, é algo que a gente nunca espera, e não poderia ser diferente, pois o fator surpresa é indispensável para que isso ocorra. Caros amigos retroaventureiros, para minha felicidade, estou tendo muita sorte nas escolhas que fiz, pois isso está acontecendo comigo uma vez atrás da outra aqui neste especial!
Shmups nunca foram meu forte. Aqueles fantásticos games conhecidos por nós na infância pelo apelido carinhoso de jogos de navinha sempre me deram um trabalhão imenso, e eu só conseguia avançar consideravelmente bem nos mais modestos em dificuldade. Isso só mudava quando determinado título marrento ficava comigo por muito tempo, muito tempo mesmo, coisa de meses! A insistência dia após dia combinada a uma paciência de Buda, me permitia conseguir realizar algumas façanhas heroicas que fatalmente acabavam por deixar marteladas em minha cabeça muitas passagens às quais eu repeti exaustivamente naqueles dias de glória 8 e 16 bits.
E como é bom quando essas lembranças voltam!
É justamente por isso que eu estou adorando escrever este especial: lembranças e mais lembranças estão pipocando aos montes enquanto eu avanço novamente pelas etapas destes jogos que tanto me desafiaram no passado, e não foi diferente com este último título que desbravei para reavivar a memória, Sol-Deace.
Esse era difícil… Um dos shmups mais complicados que eu me deparei na vida. Foi me apresentado por um amigo chamado Mario, que durante muitos anos foi parceiro de jogatina em duplas. Foi com esse cara que eu terminei Salamander, Double Dragon 2 e Kage: Shadow of the Ninja, todos jogando no Phantom System, todos difíceis, e em 2 players. A lista ainda aumenta muito se eu forçar a memória: Jackal, TMNT2, Chip n’ Dale, e eu nem parti para os 16 bits de nossos Mega Drivers ainda! E olha que eu ia até a casa do cara pra jogar com o irmão dele, mas acabava jogando era com ele mesmo pois a sincronia era ótima!
Tudo bem que o Mario nunca foi um cara muito confiável no quesito “trocação de fitas” sabe… Apesar de ser um ótimo parceiro de jogatina, cartuchos emprestados para ele corriam sérios riscos de sumirem das mais variadas formas! Por isso eu sempre tomava cuidado para nunca, mas nunca mesmo emprestar nada meu para ele sem ter algo em troca “penhorado” para garantir o retorno de minha peça, e foi graças a isso que fiquei uns dois meses com dois cartuchos dele: Hell Fire, que o nome já diz tudo sobre a dificuldade dos infernos que é avançar nele e que eu relatarei aqui em breve, e Sol-Deace, um shmup surpreendente que me fisgou assim que eu o vi rodando na tela da TV.
É claro que eu preferia comprar e vender meus próprios jogos à emprestar algo para o fulano, mas a princípio, a troca parecia bem segura: havíamos simplesmente trocado 2 por 2, dois jogos meus por dois dele, e eu fiquei bem empolgado, pois eram dois títulos que eu ainda não tinha jogado e que ele havia conseguido em um camelô… Bem, pelo menos foi o que ele disse! De repente eram de outra pessoa… Vai saber? Pois bem, comecei a jogar e adorei os dois games, principalmente aquele da Wolfteam cheio de power-ups, velocidade e tiros pra todo lado. Só que ambos eram dificílimos e já havia se passado quase uma semana e eu não conseguia avançar muito além da 2ª fase de cada um… Foi quando o Mario apareceu no portão pedindo os jogos, dizendo que iria trocá-los nas barraquinhas da Lapa. Fiquei até meio triste mas tudo bem, era um direito dele… Eu queria ter mais tempo para jogar, alguns meses de preferência, mas fazer o quê? Os cartuchos eram dele e só me restava pegar os meus de volta e… OPA! CADÊ OS MEUS CARTUCHOS?
Sinceramente, eu teria sido um completo idiota se tivesse caído naquela conversa mole de “esqueci em casa e amanhã eu te trago!”. Pra cima de mim? De jeito nenhum, caro amigo enrolado: só devolvo os seus quando você aparecer com os meus! Não deu outra, aconteceu o esperado: ele insistiu um pouco, foi embora, e só reapareceu com meus cartuchos meses depois. Eu nem reclamei, pois era o tempo que eu precisava para curtir aqueles jogos sem pressa, mas com muita perseverança.
Perseverança: mais uma vez essa é a palavra que resume a pedreira que o jogador terá pela frente se quiser terminar Sol-Deace. Desenvolvido pelo lendário estúdio subsidiário da Telenet, o Wolf Team, este shmup vertical foi desenvolvido originalmente em 1990 para o super computador japa X68000. É considerado não só como um dos melhores shmups da plataforma, mas também como a melhor das 3 versões que o game teve: no ano seguinte ele foi portado para Mega CD, e em 1992, apareceu no Mega Drive já com o nome de Sol-Deace (no X68k e Mega CD o game se chama Sol-Feace). Diferenças entre as versões existem: os gráficos em geral, como não poderia deixar de ser, são bem mais bonitos na versão X68k (eu quero um trem desse!!), em especial os backgrounds, que possuem uma qualidade além de seu tempo. Quase todos os sprites do jogo foram redesenhados nas versões para os consoles da Sega, incluindo a própria nave do game que ganhou detalhes azuis e canhões mais vistosos, mas a principal e mais notável diferença entre as três versões fica mesmo por conta da trilha sonora: a original no X68k é composta em MIDI e é magnífica; a do Mega CD foi toda refeita com arranjos instrumentais com qualidade de CD e ficou impecável; a do Mega Drive voltou ao sintetizador, e apesar de ter ficado com uma qualidade bem aceitável, ficou muito aquém das duas primeiras, que são as que dividem opiniões. Bem, independente de qual você escolher, prepare-se para sofrer, pois o game é pauleira em qualquer uma delas.
Obviamente, a versão do Mega foi a que eu joguei. Foi logo que lançaram o game, e apesar desta ser uma versão de gráficos inferiores a do original de quase 2 anos antes (que obviamente nunca havia ouvido falar), ainda assim, este jogo me pareceu visualmente fantástico, tendo em vista as referências de shmups na época. Entenda bem: o X68k era um aparelho capaz de rodar conversões exatamente iguais às versões originais de arcade, e nós conhecemos bem as diferenças de potencial entre nossos consoles de 16 bits e essas máquinas parrudas engolidoras de fichas. Imagine então, caro amigo retroaventureiro, como era possante esse computador da Sharp!
Assim, me esbaldei com Sol-Deace e suas fases tão originais quanto difíceis por meses! As duas primeiras fases eram até fáceis, mas daí pra frente a coisa engrossava de tal maneira que avançar uma só etapa a mais naquele shmup era como vencer qualquer outro game inteiro tamanha dificuldade, e terminá-lo só foi possível depois de uma quantidade absurdamente grande de decoreba, adquirida com o lento passar de muitos e muitos dias. A cada nova fase somos apresentados a aberrações estelares com padrões de ataque únicos, novas situações muito diferentes das anteriores, ambientes que variam demais, chefes com esquemas difíceis de serem pegos, e tudo isso tem que ser obrigatoriamente decorado se o jogador quiser ter sucesso nas 7 missões do game. Em especial, as duas últimas são simplesmente enlouquecedoras: longas e cheias de sub-chefes dificílimos.
A nosso favor, temos a poderosa nave de combate Sol-Deace (ou Feace) com seus canhões de ângulo regulável, que são o grande diferencial do game: basta parar de atirar e se mover um pouco para que eles se abram ou fechem até o ângulo desejado, então voltamos a atirar e eles travam naquela posição. Não preciso dizer que é essencial dominar o manuseio desses canhões, né? Felizmente a jogabilidade rápida e simples ajuda muito nesse ponto, e é bem fácil e rápido pegar o jeito. Contamos também com Power-ups que são recolhidos durante as etapas, que providenciam um bem vindo arsenal de mísseis e lasers paras serem acoplados à nave, assim como fazem reaparecer os canhões superiores e inferiores quando somos abatidos. Este sistema funciona e não funciona ao mesmo tempo… Complicou? Eu explico: ao sermos abatidos, recomeçamos obviamente com a nave peladinha, sem nada a não ser o canhão frontal, e quase sempre, salvo raríssimas exceções, o primeiro Power-Up recolhido será o Plasma Bullet, que providencia o reaparecimento dos outros canhões. Os demais power-ups vão sendo recolhidos gradativamente à medida que vão aparecendo e podem se acoplar na nave em 3 locais possíveis: frente, cima ou baixo. Exemplo: recolheu o power-up Míssil com a parte de cima da nave, o canhão superior se transforma em um lançador de mísseis. Assim podemos configurar nossa nave de várias maneiras, ao mesmo tempo que podemos fazer cagada também de várias maneiras, como substituir sem querer um canhão por outro indesejado, ou acoplar o power-up no local errado… Isso acontece muito, e como o jogo não tolera erros, o resultado quase sempre acaba sendo a destruição iminente da nave.
A boa notícia é que as vidas extras nos permitem continuar exatamente do mesmo local onde fomos abatidos… A má é que a nave retorna pelada e isso nos transforma em um alvo fácil, pois os meliantes não dão um segundo de folga (situação que só se agrava à medida que se avança no jogo) e recolher novamente os itens que aparecem pela tela sem trombar nas naves inimigas se torna uma tarefa quase irritante. Aquele bem vindo segundinho de invencibilidade quando somos destruídos praticamente não existe… Não deve durar nem 1/3 de segundo, o que torna necessário que a nossa atenção seja triplicada mesmo na hora da morte: se você parar para reclamar, vai morrer de novo! Felizmente os continues são infinitos, não é muito trabalhoso ganhar naves extras com a pontuação, e o fato de continuarmos imediatamente do mesmo local quando somos abatidos torna o jogo no mínimo possível de ser terminado… bem, pelo menos nesta versão de Mega Drive né, por que nas versões Mega CD e X68k os continues só vão até a fase 5, ou seja, morreu na 6 ou na 7, volta para a 5! É aquela velha sacanagem de antigamente que não vemos mais hoje em dia e que separava os homens dos garotos.
O interessante é que jogando novamente agora depois de mais de 20 anos, tive bem menos trabalho para terminar Sol-Deace, e isso só foi possível graças às lembranças daquela decoreba toda que eu tive que realizar no passado e que iam voltando à medida que o game ia exigindo. Por exemplo, no chefe canhão gigante, eu lembrava que existia um local onde eu não precisava mover muito a nave para desviar de todo aquele monte de projéteis que se espalham pela tela, e isso me ajudou a vencê-lo pois eu achei bem rápido este local! O chefe da fase 6 solta uns raios amarelos teleguiados que são uma desgraça, mas eu lembrava vagamente de um esquema de desviar deles que logo começou a funcionar novamente, e assim continuou até que eu consegui fechar o game mais uma vez. Eu adoro quando essas coisas acontecem, adoro quando as lembranças voltam assim que vejo determinado chefe ou situação em um jogo, adoro mais ainda quando uma música que eu nem me lembrava mais que existia começa a tocar novamente e no segundo seguinte, eu a estou assoviando inteira enquanto avanço por entre as linhas inimigas… Só os videogames podem proporcionar isso, mais nada.
Acabei terminando o jogo três dias após começar a jogá-lo, e resolvi então dar uma espiada na versão de Mega CD para sentir a notável diferença de áudio… e ela realmente é grande: a trilha sonora, como já esperado, é muito melhor em Sol-Feace. O arranjo ficou excelente, algo realmente notável para a época, mas em contrapartida, os efeitos sonoros continuam exatamente os mesmos. A enorme abertura em anime toda narrada é um atrativo a parte, e vale citar que a capacidade infinitamente maior do CD proporcionou um final bem mais recompensador. Uma coisa curiosa é que Sol-Feace, apesar de só possuir continues até a fase 5, é mais fácil que Sol-Deace: todos os inimigos do jogo são moderadamente mais fáceis, e necessitam de uma quantidade menor de tiros para serem destruídos. Isso reflete muito em alguns chefes das fases 6 e 7, que podem ter seus principais ataques cortados rapidamente se o jogador souber se posicionar de maneira estratégica para disparar.
Outro fato curioso envolve os ports: o game original possuía muitos efeitos de rotação de sprite, coisa que até o momento só se via nos arcades da época, e que pouco depois, o recém nascido Super Nintendo mostrou ser capaz de fazer muito bem com o uso do chip especial Mode7. Quando Sol Feace foi lançado em 1991 para Mega CD, os vários efeitos de rotação continuaram presentes, e como acreditava-se, a princípio, que o Mega Drive não era capaz de realizar tal tarefa, acreditou-se que aquilo só foi possível graças a ao acessório de CD acoplado ao console. Quando Sol-Deace chegou, então, no início do ano seguinte, lá estavam todos os efeitos novamente presentes: o aparelho era sim capaz de realizar tarefas de manipulação e rotação de sprites com uma surpreendente facilidade, e o Wolf Team começava a mostrar para o mundo como é que se programava direito no console da Sega.
Poucos detalhes poderiam ser melhor aproveitados nos games tanto de Mega Drive quanto de Mega CD, como a escolha da velocidade da nave que só pode ser feita antes de se começar o jogo. Os 3 botões servem só para atirar, e não custava terem utilizado 2 deles para outros fins, como regular a velocidade, soltar bombas, ou outra coisa que enriquecesse a jogabilidade que, devido a isso, ficou bem simplória (isso serve para as 3 versões). Graficamente os dois games que joguei não fazem feio, e apesar da dificuldade bem elevada, divertem pra caramba! Não era difícil babar para a velocidade frenética deste jogo na época… Eu mesmo fiquei abismado com o que via na tela, e o mesmo acontecia com aqueles que iam até minha casa jogar e perguntavam que jogo “bem louco” era aquele que eles nunca haviam visto.
Mesmo hoje, após jogar a versão Mega CD e comprovar a superioridade absoluta de sua trilha sonora, abertura e animação final (que justificam a nota mais alta desta versão), eu chego à conclusão de que não perdi muita coisa por ter jogado só a de Mega, e nem teria como pensar isso: pelo tempo que o cartucho ficou comigo, ele praticamente não foi desplugado do meu console. Claro, o Mario um dia reapareceu com os meus jogos que ele havia “esquecido em casa” e foi quando eu me despedi de Sol-Deace… Naquela altura do campeonato, eu já achava até que ele nem iria mais voltar e que aquele cartucho dele já era meu, mas não tenho do que reclamar, pois 2 meses foram tempo mais que suficiente para curtir aqueles games. Sim, AQUELES games, pois o outro que ficou comigo durante este tempo todo, Hell Fire, estará chegando em breve aqui no RetroPlayers para literalmente, trazer o inferno até você!
O slogan do antigo RetroPlayers ainda vale pra mim: “também to morto mas tô aí!”
E muito bem acompanhado =)